Dois grupos de
brasileiros se preparam para o confronto armado em Mato Grosso do Sul a partir
da próxima semana e cogitam o derramamento de sangue. Ambos culpam o Governo
Federal pelo conflito, que tem posse de terras no extremo sul do Estado como
principal motivo.
De um lado,
índios guarani-kaiowá, com mulheres e crianças, anunciam novas ocupações em
fazendas que ficam nas áreas declaradas como terra indígena pela União. Eles
garantem que não têm armas de fogo, mas prometem resistir no
local.
Do outro,
pequenos e médios produtores rurais reclamam dos prejuízos e dizem que estão
indignados com a perda do patrimônio. Poucos aceitam falar, mas admitem
articulações que já consideram a contratação de homens para uma
‘guerra’.
No último dia
10, os índios iniciaram em Paranhos, a 477 quilômetros de Campo Grande, um
protesto contra a demora na demarcação de terras indígenas com o movimento que
chamam de ‘retomada’. Eles ocuparam áreas da tekohá (espaço onde se vive, em
guarani) Arroyo Corá e houve confronto.
Durante um Aty
Guasu, espécie de conselho político de povos indígenas, os guarani-kaiowá
decidiram ocupar todas as áreas em Mato Grosso do Sul que estão com a
homologação suspensa por uma liminar no STF (Supremo Tribunal
Federal)."Estamos
declarando guerra à enrolação. Vai ter mais retomada em Mato Grosso do Sul
porque faz anos que aguardamos quietos e nada acontece", diz o líder indígena
Eliseu Gonçalves, membro do Aty Guasu.
Em Paranhos,
homens armados reagiram e dispararam com armas de fogo contra os indígenas.
Segundo eles, um homem identificado como Eduardo Pires, de aproximadamente 50
anos de idade, estaria desaparecido desde então.A morte de um
bebê de nove meses de idade também é considerada pelos guarani-kaiowá como
resultado do ataque ao grupo durante a ocupação.
'Grande
desgraça'
A fazendeira
Vergilina Pereira Lopes, de 83 anos de idade, é proprietária da fazenda Campina,
que foi ‘retomada’. Ela nega que tenha havido qualquer tipo de reação com arma
de fogo. “Pelo menos da parte dos meus peões tenho certeza que ninguém atirou”,
afirma.
A produtora
rural registrou queixa na Delegacia de Paranhos e foi para casa de uma filha,
aguardar o desfecho da situação.Sobre o risco de
violência, a idosa é ponderada: “Eu sou uma velha e não vou mexer com isso. Mas
tem muita gente revoltada demais com essa injustiça. Para isso tudo virar uma
grande desgraça tá muito fácil”, analisa.Em entrevista
gravada no último dia 16, a fazendeira diz que a postura das autoridades aumenta
a indignação dos produtores. “Eu sempre
trabalhei muito e paguei todos os impostos. Nunca imaginei que um dia seria
tirada de lá assim desse jeito, feito cachorro tocado. E revolta porque as
autoridades ficam do lado dos índios como se a gente fosse bandido”,
reclama.
Outros
produtores da região aceitaram falar com a reportagem e relatam que há uma
articulação entre fazendeiros ‘se preparando para o pior’. Mas a maioria prefere
não se identificar porque ‘a Federal tá encima’.
Eles se referem
ao inquérito da Polícia Federal sobre o ataque a índios na área de Guayviry, que
recentemente colocou 18 pessoas, entre fazendeiros e até o presidente do
Sindicato Rural de Aral Moreira, um município próximo, atrás das
grades.
No episódio, o
líder indígena Nísio Gomes foi ferido e levado por pistoleiros. O corpo ainda
não foi localizado, mas já houve indiciamentos.
'Culpa dos
políticos'
“A situação aqui
é de desespero e raiva. Estão brincando com a paciência da gente. Nós sempre
fomos gente de bem, pagamos os impostos e nunca mexemos com esses bugres, mas
estão deixando todo mundo sem alternativa. Vai correr pra onde, se a Polícia, o
Governo, tá tudo do lado da bugrada”, questiona o proprietário de uma área nas
proximidades de Arroyo Corá.
“Veja se pode
essa situação. Inverteram tudo de um jeito, que eu, um trabalhador, que vivo no
lombo do cavalo ai lidando com gado, gerando emprego, comida, pagando imposto,
não posso nem mostrar a cara pra falar. Estão tratando a gente como bandido, mas
eu paguei por essas terras”, desabafa.
Tal qual os
índios, os fazendeiros culpam o poder público pela situação: “Se tiver morte, a
culpa é desses políticos que enrolam todo mundo no Brasil. Declararam essas
terras como área indígena para agradar as ongs, os índios e os brancos que vivem
às custas dos índios. Depois, adiaram a decisão lá no STF, sei lá onde, só para
agradar os ruralistas, a bancada rural. Os bugres escutam que é deles, vão
querer entrar mesmo. A gente tem escritura e pagou pela terra, não vamos querer
sair mesmo. Isso aí só pode acabar de um jeito ruim”, diz um produtor que há
mais de 30 anos possui área em Paranhos.
‘Lenço
Preto’
Entre tantos
fazendeiros acuados, que preferem não se envolver publicamente no conflito, um
produtor fez questão de receber a reportagem e relatou, em entrevista gravada na
última quinta-feira (16), como os ruralistas estão se
organizando.
Conhecido como
‘Lenço Preto’, há 35 anos Luis Carlos da Silva Vieira é proprietário de uma área
a poucos quilômetros da Fazenda Campina e diz que está convocando os fazendeiros
da região para a ‘guerra’. Ele tem gado na área já ‘retomada’.
“Se o Governo
quer guerra, vai ter guerra. Se eles podem invadir, então nós também podemos
invadir. Não podemos ter medo de índio não. Nós vamos partir pra guerra, e vai
ser na semana que vem. Esses índios aí, alguns perigam sobrar. O que não sobrar,
nós vamos dar para os porcos comerem”, dispara.
O fazendeiro
conta que já houve conversas com outros produtores da região e confirma que o
conflito armado já é considerado uma opção. Ele diz que a intenção é aguardarem
até a próxima semana, para então agir caso não haja novidades
favoráveis.]
“A maioria dos
fazendeiros está comigo. Arma aqui é só querer. Eu armo esses fazendeiros da
fronteira rapidinho, porque o Paraguai fica logo ali, e na guerra não tem
bandido”, avisa.
Segundo Lenço
Preto, a revolta dos fazendeiros aumentou com a forma como a retomada está
acontecendo. “Se viessem numa boa, avisassem a gente, ou se o Governo resolvesse
logo, e dissesse que temos de sair mesmo, acho até que a gente podia tirar o
gado e aceitar. Mas assim, estão brincando demais com a gente”,
diz.
Em Paranhos,
produtores rurais contam que já existem fazendeiros maiores desistindo de lutar
pela posse da área. Mas afirmam que o sentimento de revolta pode fomentar atos
de vingança.
“Tem um
fazendeiro conhecido aí da região que falou pra todo mundo aqui: posso até sair,
e entregar para os bugres, mas assim que a poeira baixar, eu lavo essa terra de
sangue”, relata um dos produtores que falaram com a
reportagem.
Vieira confirma
que a contratação de pistoleiros paraguaios é uma opção para os produtores
rurais reagirem. “Eu acredito que vai ser por aí. A guerra vai começar aí. Eu,
como a propriedade lá não é minha... Se é minha, já tinha índio estendido à
vontade aqui”, diz apontando para o campo às margens da
rodovia.
FONTE: SITE MIDIAMAX (MS)
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