Governo Dilma promove a maior cruzada contra
os direitos indígenas
com trapalhadas jurídicas e medidas
administrativas e políticas
nunca
vistas na história do Brasil democrático
O movimento Indígena, por meio da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB, depois
de repudiar a publicação, por parte da Advocacia Geral da União (AGU) da
Portaria 303, de 16 de julho de 2012, exigiu do Governo Federal a total
revogação deste instrumento cujo propósito é ”restringir os direitos dos povos
indígenas garantidos pela Constituição Federal e por instrumentos
internacionais como a Convenção 169 da OIT, que é lei no país desde 2004, e a
Declaração da ONU sobre os direitos dos Povos Indígenas.”
Em razão de seu viés
claramente antiindígena, diversos povos e associações indígenas,
personalidades, organizações e movimentos sociais e inclusive setores do
governo reagiram repudiando o feito. Como resposta, o Governo tomou a decisão
de adiar por 60 dias, até o dia 24 de setembro, a entrada em vigor da Portaria,
para nesse período permitir “a oitiva dos
povos indígenas sobre o tema”.
Adiar não significa
suspender, muito menos revogar, demonstrando com isso a clara intenção do
governo federal em mais uma vez atropelar a Constituição brasileira, os mais de
800 mil índios (IBGE 2010) que habitam este País, no que consideramos a maior e
mais desleal ofensiva na história do Brasil democrático contra os direitos
originários desses povos.
A Portaria 303 é um instrumento jurídico-administrativo absolutamente
equivocado e inconstitucional, na medida em que estende condicionantes para
todas as demais terras indígenas, decididas pelo Supremo Tribunal Federal (STF)
na Ação Judicial contra a Terra Indígena Raposa Serra do Sol (Petição
3.888-Roraima/STF).
É de
conhecimento público que a decisão do STF ainda não transitou em julgado e
essas condicionantes podem sofrer modificações ou até mesmo ser anuladas em
parte.
O poder
executivo, por meio da AGU, de forma irresponsável e atendendo à voracidade do
capital, do agronegócio e de outras forças econômicas e políticas interessadas
nas terras indígenas e riquezas nelas existentes, simplesmente antecipou a sua
interpretação do que os ministros decidiram em 2009, atropelando assim uma
decisão que cabe ao STF.
Principais pontos da Portaria que trazem grandes
prejuízos aos povos indígenas
1. Afirma que as terras indígenas podem ser ocupadas por unidades,
postos e demais intervenções militares, malhas viárias, empreendimentos
hidrelétricos e minerais de cunho estratégico, sem consulta aos povos e
comunidades indígenas;
2. Determina a revisão das demarcações em curso ou já demarcadas que não
estiverem de acordo com o que o STF decidiu para o caso da Terra Indígena
Raposa Serra do Sol;
3. Ataca a
autonomia dos povos indígenas sobre os seus territórios. Limita e relativiza o
direito dos povos indígenas sobre o usufruto exclusivo das riquezas naturais
existentes nas terras indígenas;
4. Transfere para o Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade (ICMBIO) o controle de terras indígenas sobre as quais indevida
e ilegalmente foram sobrepostas Unidades de Conservação;
5. Cria problemas para a revisão de limites de terras indígenas
demarcadas que não observaram integralmente o direito indígena sobre a ocupação
tradicional.
Por que a Portaria é inconstitucinal e afronta
os direitos indígenas
1. A decisão
do STF na Petição 3388 só vale para a Terra Indígena Raposa Serra do Sol em Roraima. Recentemente
três Ministros do STF reafirmaram esse entendimento;
2.Essa decisão do STF pode ainda sofrer alterações, pois as comunidades
indígenas da Terra Indígena Raposa Serra do Sol estão questionando
judicialmente a decisão do STF, por meio de Embargos de Declaração ainda não
julgados;
3. O Advogado Geral da União não tem poderes para fazer leis que afetem
os povos indígenas, o que compete ao Congresso Nacional;
4. Coloca condicionantes para usufruto exclusivo pelos povos indígenas
das riquezas naturais existentes em suas terras em visível desrespeito ao artigo 231 da Consituição Federal;
5. Desrespeita o direito que os povos indígenas têm de serem consultados
sobre medidas ou projetos governamentais que podem afetá-los, como determina a
Convenção 169 da OIT.
Muita atenção !!! Todas as Terras Indígenas brasileiras estão em grave
situação de risco
Os artigos
2º e 3º da Portaria 303 questionam a validade de tudo o que já foi feito em
relação à demarcação das terras indígenas. Isso quer dizer que inclusive as terras já demarcadas podem ser revistas e ajustadas.
Ao levantar irresponsavelmente incertezas sobre a legalidade da demarcação das
terras indígenas, o governo federal por meio da AGU, acabou por criar expectativas
naqueles setores que sempre cobiçaram essas terras, estimulando assim a violência
no campo, já que é certo o aumento de invasões de terceiros. A memória das
numerosas lideranças indígenas mortas pelo latifúndio na luta intransigente
pela regularização de suas terras foi irremediavelmente abalada e o futuro das
novas gerações ficou gravemente comprometido.
A quem interessa a Portaria 303 !
A pergunta
que as lideranças e organizações indígenas e os aliados se fazem é sobre os
motivos que levaram a AGU a publicar uma Portaria com implicações tão graves e
tão descaradamente contrárias aos interesses e direitos dos povos indígenas.
É, no
mínimo, um ato do mais puro cinismo termos a Portaria 303 publicada justamente
no momento em que o governo chama os povos indígenas para “dialogar” sobre a
promoção e a proteção dos direitos indígenas no âmbito da Comissão Nacional de
Política Indigenista (CNPI). Mais hipócritas ainda são as discussões levadas a
frente pelo Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) para regulamentar os
mecanismos de consulta e consentimento livre, prévio e informado, estabelecido
pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
A
publicação da Portaria 303 deixa claro que o governo de fato não tem qualquer
intenção de estabelecer um diálogo democrático e transparente quanto aos
assuntos que realmente importam para os povos indígenas e para as questões
ambientais.
Com a
publicação da Portaria 303, perpetua-se em pleno século XXI,
a falsa e injusta compreensão de que os povos indígenas e as terras habitadas
pelos mesmos são empecilhos ao “desenvolvimento”, porque dificultariam o
licenciamento e a construção de hidrelétricas, rodovias, linhas de transmissão
entre outros empreendimentos e impediriam o avanço da exploração dos recursos
naturais.
Num jogo
desleal com os povos indígenas, o Governo apresenta-se interessado em discutir a Convenção
169, mas na calada da noite já arquitetava a Portaria 303 empurrando goela
abaixo dos povos e comunidades indígenas empreendimentos como a hidrelétrica de
Belo Monte, o conjunto de hidrelétricas na região do rio Tapajós e rodovias que
impactam terras indígenas, assim como tantos outros empreendimentos do Programa
de Aceleração do Crescimento (PAC).
É
sintomático o amplo apoio que a Portaria 303 recebe do agronegócio. De acordo
com representantes deste, essa iniciativa do governo, daria mais segurança
jurídica aos “proprietários” não índios que ocupam as terras indígenas, porque
não seriam mais obrigados a devolvê-las aos povos indígenas e ainda teriam a
possibilidade de estenderem seus latifúndios sobre as terras indígenas já
demarcadas.
A Portaria
303 é o ápice de uma seqüência de golpes contra os Direitos Indígenas
O Governo Federal,
desde a edição do PAC, tem provocado um retrocesso nunca antes vivido neste
País, tanto no que cabe aos direitos dos povos indígenas e outras minorias
(quilombolas, por exemplo), quanto à legislação ambiental. Isso é um fato já
amplamente denunciado pelo movimento indígena brasileiro, organizações e
movimentos sociais e entidades indigenistas e ambientalistas. Determinado a
levar em frente e a qualquer custo o seu plano neodesenvolvimentista, o progresso
e o crescimento econômico do Brasil, o Governo Federal tem optado por adotar
uma série de medidas administrativas e jurídicas que afrontam gravemente a
vigência dos direitos originários, coletivos e fundamentais dos povos
indígenas, sendo a Portaria 303 o último golpe. Dentre essas atabalhoadas
medidas destacamos :
1. Portaria 419
Em
28 de
outubro de 2011, o Governo Federal editou a Portaria Interministerial de número
419, que foi assinada pelos ministros da Justiça, do Meio Ambiente, da Saúde e da
Cultura. Essa Portaria visa regulamentar a atuação da Fundação Nacional do
Índio (Funai), da Fundação Cultural Palmares (FCP), do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e do Ministério da Saúde (MS) no que diz
respeito à elaboração de pareceres em processos de licenciamento ambiental
conduzidos pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (Ibama). O propósito dessa Portaria é acelerar o processo de
licenciamento de empreendimentos do PAC diminuindo, assim, ainda mais os já
reduzidos prazos vigentes de manifestação desses órgãos quanto à viabilidade ou
não de implantação dos empreendimentos que afetam os povos indígenas, os
quilombolas e as áreas de preservação ambiental. Em outras palavras, busca agilizar
e facilitar a concessão das licenças ambientais aos grandes projetos
econômicos, especialmente de hidrelétricas, mineração, portos, hidrovias,
rodovias e de expansão da agricultura, do monocultivo e da pecuária.
2. PEC
215 e outras iniciativas legislativas
Em 21 de
março de 2012, a
Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da
Câmara dos Deputados aprovou a admissibilidade da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/00. Esta PEC
tem o propósito de transferir para o Congresso Nacional a competência de aprovar
a demarcação das terras indígenas, criação de unidades de conservação e titulação
de terras quilombolas, que antes é de responsabilidade do poder executivo, por
meio da Funai, do Ibama e da FCP, respectivamente. A aprovação da PEC põe em
risco as terras indígenas já demarcadas e inviabiliza toda e qualquer possível
demarcação futura.
No Senado tramita a PEC
038/99 que tem o mesmo propósito da PEC 215.
Recentemente
foram aprovadas mudanças no Código Florestal pelo Congresso Nacional, as quais
irão facilitar a exploração dos recursos naturais e desencadear impactos
negativos para o meio ambiente e, as terras indígenas certamente serão
atingidas.
Na Câmara dos Deputados
também tramita o Projeto de Lei (PL) 1610/96 que trata da exploração mineral em terras indígenas. O PL
representa uma abertura total das terras indígenas à livre exploração das
empresas mineradoras. O texto original não prevê qualquer proteção ao
território, ao meio ambiente e muito menos à vida das pessoas que vivem nas
comunidades indígenas a serem afetadas.
Como as PEC, as
Portarias, os Decretos e as mudanças do Código Florestal já citados, no
Legislativo são produzidos dezenas de projetos de lei referentes aos direitos
indígenas, sendo a maioria com o propósito de reverter os direitos garantidos
pela Constituição Federal.
O desmonte
da FUNAI
Ao mesmo
tempo que o Executivo tenta legislar sobre os direitos indígenas, que não é seu
papel constitucional, tem optado também por desmontar totalmente o órgão
indigenista, a Funai. Anular a atuação do órgão faz parte de toda essa maléfica
estratégia contra os diretos dos povos indígenas.
Em 2009,
mais uma vez na calada da noite e sem ouvir índios e servidores publicou-se o
Decreto 7056/09, que literalmente desmontou toda a estrutura administrativa da
Funai em suas
bases. Servidores e índios lutaram com todas as forças para
reverter o malfadado Decreto, mas como resistir ante a ocupação da Sede da
Funai em
Brasília pela Força Nacional durante o longo período de
janeiro até meados de outubro de 2010!
A nova
estrutura da Funai prevista pelo Decreto 7056/09 até os dias atuais não foi
implantada efetivamente. Inúmeros Relatórios da Controladoria Geral da União
(CGU) vêm comprovando a situação vivida pela Funai e pelos povos indígenas,
dando conta dos fatos ocorridos.
Quase três
anos após a publicação do Decreto 7056/09 e, com a Funai em plena crise
administrativa, é publicado no Diário Oficial da União (DOU) em 30 de julho de
2012 o Decreto 7778/12, que vem substituir o anterior, mudando novamente a
estrutura organizacional da Funai. Índios e servidores, mais uma vez, ficaram à
parte da proposição desse Decreto e a tão esperada abertura de diálogo com a
Direção da Funai não foi concretizada mais uma vez.
Se a
primeira mudança demonstrou-se um fracasso, a segunda certamente será o
desastre final.
A Funai
desmontada, a SESAI (Secretaria Especial de Saúde Indígena) inoperante, o MEC
(Ministério de Educação) ausente, é obvio concluir que os povos indígenas
brasileiros estão literalmente entregues à própria sorte e por força da
necessidade submetidos a madeireiros, garimpeiros, empreendimentos
desenvolvimentistas, políticos inescrupulosos, etc.
A máscara caiu!
Não dá
mais para esconder! A Portaria 303, e outras medidas adotadas pelo Governo
Federal desde a edição do PAC, acabaram por revelar a verdadeira face do
Governo Dilma.
E agora o que fazer?
A
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, o Conselho Indigenista Missionário e
a Associação Nacional dos Servidores da Fundação Nacional do Índio, numa
aliança inédita, mas necessária e urgente, entende que somente a união e a mobilização
dos povos indígenas e grupos aliados poderão conter e reverter a ofensiva
contra os direitos dos povos e comunidades indígenas.
Apelamos,
portanto, a todos que de fato tenham interesse em garantir aos povos indígenas
brasileiros os seus direitos constitucionais que divulguem amplamente o
presente documento. Façam-no chegar às mais longínquas aldeias. Auxiliem os
povos e comunidades indígenas na leitura e compreensão do grave momento por que
passamos todos.
Por
todos os motivos apresentados acima, a luta no presente momento deve ser focada
na revogação definitiva da Portaria 303 e da Portaria 419, bem como do Decreto
7778/12 e no repúdio à PEC 215.
Brasília –
DF, 07 de agosto de 2012.
Articulação dos Povos Indígenas do
Brasil - APIB
Conselho Indigenista Missionário -
CIMI
Associação Nacional dos Servidores
da Fundação Nacional do Índio - ANSEF