Mais de mil e duzentas lideranças indígenas reuniram-se na última semana, entre os dias 4 e 8 de maio, para discutir a nova proposta para o Estatuto dos Povos Indígenas, tema central do Acampamento Terra Livre 2009, principal fórum de discussão do movimento indígena brasileiro, que envolveu representantes de mais de 130 povos diferentes de todo país, e este ano comemorou a sua sexta edição com presença recorde.
O Acampamento Terra Livre, mobilização anual mais importante do calendário de lutas e ações políticas dos povos e das organizações indígenas, que este ano aconteceu em maio, teve um aspecto especial em relação aos eventos anteriores. O encontro serviu como instância final para aprovação, junto aos representantes dos povos indígenas, do documento com as propostas para o novo Estatuto dos Povos Indígenas, que foi discutido e elaborado pelos próprios indígenas e pelo Governo Federal, no âmbito da Comissão Nacional de Política indigenista (CNPI). (ver quadro abaixo). O documento requer, entre outras coisas, o direito a vetar projetos de exploração de recursos hídrico e mineral em terras indígenas.
Outros pontos também mereceram atenção especial durante o evento, entre eles: territórios indígenas (demarcação, proteção, desintrusão e sustentabilidade); as 19 condicionantes instituídas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por ocasião do julgamento da homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol e violência e criminalização de lideranças indígenas, com destaque para a situação dos Xukuru (PE) e dos Cinta-Larga (RO).
Foram abordados, ainda, temas como saúde indígena, educação escolar indígena e o fortalecimento do movimento indígena. O acampamento é uma realização da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil - Apib e do Fórum em Defesa dos Direitos Indígenas – FDDI. No que diz respeito à saúde indígena, um dos temas mais discutidos este ano, os integrantes do acampamento defenderam a criação da Secretaria Especial de Saúde Indígena, com a participação dos índios em todo processo de construção e implantação do órgão.
Durante toda a semana, parte do período da noite foi dedicado aos relatos sobre as realidades de cada região. A coordenação do evento, formada pelas organizações que compõe a Apib (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – Coiab; Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo – Apoinme; Articulação dos Povos Indígenas do Sul – Arpinsul; Articulação dos Povos Indígenas do Pantanal e região – Arpipan; Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste – Arpinsudeste e Aty Guasu) garantiu que todas as lideranças e delegações presentes tivessem todo o tempo necessário para expor suas demandas e os problemas que enfrentam em seus estados de origem. Houve também espaço para confraternização e manifestações culturais com danças, música, poesia e exibição de documentários, que encerraram a programação todas as noites, com especial destaque para o filme que retratou a situação do povo Guarani Kaiowá em Mato Grosso do Sul.
Houve, ainda, a divulgação do relatório do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), intitulado “Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil -2008”; o lançamento da campanha “Povos Indígenas na Amazônia - Presente e Futuro da Humanidade”, promovida pela Coiab e a divulgação de publicação da Apoinme em defesa do Rio São Francisco.
Autoridades
A presença no evento de autoridades como o Ministro da Justiça, Tarso Genro, o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Márcio Meira, parlamentares de diversos partidos e a coordenadora da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (Índios e Minorias), Débora Duprat, reafirmou a importância do Acampamento Terra Livre como espaço privilegiado de interlocução entre o Governo Federal e os Povos Indígenas.
Durante visita ao acampamento, no dia 5 de maio, o Ministro da Justiça, acompanhado pelo Presidente da Funai, ouviu por mais de duas horas relatos referentes, principalmente, a questão de demarcação de terras. Ambos partiram com cópias de documentos sobre o assunto, entregues pelos presentes, que exigiram da Funai um posicionamento até o fim do acampamento sobre a atual situação envolvendo a proteção e demarcação das terras indígenas, o que de fato ocorreu, com o presença de dois representantes do órgão para uma conversa com os indígenas na sexta–feira, dia 8 de maio.
Esta é uma das questões mais graves enfrentadas atualmente pelos povos indígenas de todas as regiões, que ainda lutam para demarcar suas terras ou retirar invasores de terras demarcadas, como no caso da terra indígena Marãiwatsedé, do Povo Xavante, em Mato Grosso, e a terra do Povo Pataxó Hã-Ha-Hãe, no sul da Bahia. A luta dos Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul pela definição de seu território também foi destacada por diversos povos, que manifestaram apoio aos Guarani.
Audiência Pública e manifesto na Esplanada
Com a tramitação do Estatuto parada há 14 anos no Congresso Nacional, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil contou com o apoio de parlamentares da Comissão de Direitos Humanos do Senado para a realização de uma audiência pública, que aconteceu no dia 7 de maio, e onde foi entregue aos senadores cópia do Documento Final do Acampamento Terra Livre, com registro das principais questões discutidas no encontro.
A audiência teve como objetivo pressionar os parlamentares a retomarem o debate sobre o assunto no Congresso. Como resultado, senadores e deputados federais, simpáticos a questão indígena, comprometeram-se a acompanhar os projetos em tramitação que afetem os povos indígenas e a voltarem a debater o Estatuto.
As lideranças indígenas também repudiaram as propostas de senadores e deputados que ameaçam seus direitos. Entre essas, destacam-se o Projeto de Emenda à Constituição (PEC) nº 38/99 do senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR) e o Projeto de Lei (PL) nº 4719/09 dos deputados Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) e Aldo Rebelo (PCdoB-SP), que transferem para o Senado e o Congresso, respectivamente, a decisão sobre a demarcação de terras indígenas. Esses políticos, com postura claramente antiindígena, também foram alvo do ato público, que tomou as ruas da Esplanada dos Ministérios, terminando com um grande manifesto no gramado em frente ao espelho d água do Congresso Nacional.
Discussão do novo Estatuto
Os participantes do acampamento dividiram-se em 20 grupos temáticos para avaliar o texto do novo Estatuto, acordado anteriormente na CNPI. Após discussão e análise minuciosa dos temas relacionados, os grupos levaram suas propostas para uma reunião plenária, com a participação de todo o acampamento, que referendou e aprovou o documento.
Os indígenas requerem profundas mudanças em relação ao Estatuto que está em vigor desde 1973. Eles propõem, entre outras mudanças, que o novo texto elimine termos ultrapassados como “silvícolas” ou “tribos”, que transmitem uma idéia de “estágio inferior de desenvolvimento”. Em relação à exploração mineral e de recursos hídricos, os indígenas reivindicam o direito de veto quando os projetos afetarem as terras onde vivem.
O movimento indígena espera que o Presidente da República apóie as novas propostas, inclusive no sentido de contribuir, por intermédio da base parlamentar de apoio ao Governo na Câmara dos Deputados, para que o recurso interposto em 6 de dezembro de 1994, contra a decisão da Comissão Especial da Câmara dos Deputados, que aprovou o Substitutivo de nova legislação indigenista, seja submetido pela Presidência para a apreciação e aprovação do Plenário da Casa; e seja incluído o PL 2057/91 e seus apensos na Ordem do Dia da Câmara, para que no período de debate, as sugestões da CNPI e as do movimento indígena, além de outras que os parlamentares poderão propor, sejam apresentadas na forma de Emendas de Plenário, constituindo-se, em seguida, nova Comissão Especial para emitir parecer sobre estas Emendas, de forma a ser deliberado, ao final, pelo Plenário.
Breve Histórico sobre a nova proposta para o Estatuto dos Povos Indígenas
A proposta de “Estatuto dos Povos Indígenas”, que serviu como referência para a análise do “Acampamento Terra Livre 2009” é o resultado de um processo de discussão iniciado no ano passado, na “Comissão Nacional de Política Indigenista – CNPI”.
A CNPI considerou, neste amplo processo de mobilização, o Substitutivo aprovado em junho de 1994, pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados, instituída para apreciar e dar parecer sobre os Projetos de Lei nº 2057/91, 2160/91 e 2619/92, que dispõem, respectivamente sobre o “Estatuto das Sociedades Indígenas”, “Estatuto das Comunidades Indígenas” e “Estatuto dos Povos Indígenas”.
Este Substitutivo da Comissão Especial da Câmara dos Deputados foi analisado e revisado por dez Oficinas Regionais promovidas pela CNPI, no ano de 2008. As sugestões apresentadas nestas oficinas foram sistematizadas pela Comissão de Assuntos Legislativos da CNPI. Em seguida, a CNPI analisou e aprovou a incorporação de diversas sugestões apresentadas nas Oficinas Regionais, revendo diversos capítulos do Substitutivo aprovado pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados em 1994.
Da análise e das novas propostas apresentadas por este “Acampamento Terra Livre”, a CNPI concluirá seu processo de definições e encaminhará o conjunto das sugestões ao Ministério da Justiça, que por sua vez enviará as matérias para a Casa Civil, seguindo, posteriormente, para o Congresso Nacional.
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