sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Governo foge do debate sobre a construção da Usina de Belo Monte

Foto: Indígenas Kaiapó na Audiência Pública sobre Belo Monte no MPF

Indígenas e ribeirinhos se indignaram com o descaso do Governo

Depois de dois dias na estrada, indígenas e ribeirinhos que saíram de Altamira, no Pará, para participar de audiência pública sobre Belo Monte, em Brasília, voltam para casa sem serem ouvidos pelo governo. A audiência de terça-feira (1º/12), na Câmara de Coordenação e Revisão (Índios e Minorias) do Ministério Público Federal, reuniu centenas de pessoas para falar sobre a mais importante obra do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal, o Aproveitamento Hidrelétrico (AHE) de Belo Monte, no Rio Xingu (Pará).

O Movimento Xingu Vivo para Sempre, que congrega mais de 150 organizações da sociedade civil, trouxe dois ônibus com lideranças indígenas e representantes de ONGs e fundações para acompanhar a audiência sobre a polêmica construção da usina. Entretanto, o governo não compareceu. Funai, Ibama, Ministério de Minas e Energia, Eletrobrás e Eletronorte, órgãos diretamente relacionados à obra, nem mandaram representantes.

A sub-procuradora Geral da República Débora Duprat disse que a audiência visava atender a demanda dos povos do Xingu por mais explicações sobre o projeto da Usina de Belo Monte, sem substituir as novas audiências sobre o tema que deveriam ocorrer no Pará. A ausência de autoridades incomodou: "Se não é possível conversar, o caminho que nos resta é o judicial", ela concluiu.

Para o procurador da República no Pará, Ubiratan Cazetta, a estratégia do governo é esconder as informações: “Boa parte das informações sobre a obra continua indisponível. Os valores continuam indefinidos. Nosso papel é cobrar isso”. Diversas comunidades indígenas (Araras, Guarani, Jurunas, Kaiapós, Xavantes, Xipaias, Xicrins e Yanomami) estiveram presentes e lançaram um manifesto, denunciando o descaso do governo federal. O texto fala de 20 anos de luta dos povos indígenas contra o projeto do AHE Belo Monte e conclui com a mensagem de que o rio Xingu pode virar um “Rio de SANGUE”.


Denúncias contra Funai no Senado

Apesar das contestações ao processo de licenciamento e do desrespeito à legislação indigenista, a Fundação Nacional do Índio (Funai) apresentou parecer favorável à usina, contrariando a posição de seus próprios técnicos e de especialistas, mas sobretudo dos povos indígenas contrários à construção da Usina de Belo Monte e de qualquer outro empreendimento que afete o curso do rio Xingu. Na audiência pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos do Senado para discutir o projeto, nessa quarta-feira (2/12), o governo também evitou o diálogo. Apenas o diretor de Assistência e presidente substituto da Funai, Aloysio Guapindaia, compareceu. Eletrobrás e Ibama não enviaram representantes e sequer justificaram a ausência para comissão. Cerca de cem lideranças, entre indígenas, trabalhadores rurais e ribeirinhos que integram o Movimento Xingu Vivo para Sempre, fizeram uma série de críticas e denúncias contra a Funai, principalmente por desrespeitar o direito de consulta prévia e informada aos povos indígenas sobre qualquer empreendimento que os afete, como reza a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.

Uma das questões mais graves levantadas no encontro foi a denúncia dos indígenas de que a Funai deliberadamente enganou as comunidades do Xingu ao afirmar que as audiências públicas que estavam sendo realizadas eram nada mais que apresentações do projeto da Usina. Tais audiências são, inclusive, alvo de diversas ações do Ministério Público. A senadora Marina Silva quis explicações sobre o assunto e perguntou se o diretor considerava que as audiências feitas pela Funai atendiam as normas da OIT. Guapindaia respondeu categoricamente que sim, despertando a revolta dos presentes que o acusaram de mentir. O cacique José Carlos Arara, da Terra Indígena Arara da Volta Grande do Xingu, testemunhou que participou das referidas reuniões e que em nenhum momento a Funai informou aos índios que se tratavam das oitivas de Belo Monte. “Estamos todos revoltados, pois vemos agora que a Funai agiu de má fé”, afirmou. O Procurador da República de Altamira, Rodrigo Timóteo, e o coordenador do Painel de Especialistas, Francisco Hernandez, também confirmaram as denúncias e contestaram as afirmações do diretor da Funai.

Foto: a índia Kaiapó Tuíra cobrou explicações do diretor da Funai Aloysio Guapindaia

A índia kaiapó Tuíra – que, em 1989 empunhou um facão contra o atual presidente da Eletrobrás, José Antonio Muniz Lopes, então diretor da Eletronorte, em um protesto em defesa do Xingu – ficou de pé em frente à mesa da Comissão de Direitos Humanos e apontou o dedo para o representante da Funai: "O Xingu está nas minhas mãos, então eu não posso deixar a construção desta barragem. Eu não vou deixar construírem Belo Monte, porque eu nasci na beira do Xingu”, afirmou Tuíra. Ela falou que a Funai está fazendo trabalho escondido e que não perguntaram para eles, nas aldeias, se Belo Monte era bom ou ruim. “A Funai não conhece os índios na área. O governo nos abandonou e agora ele mesmo nos ameaça”, acrescentou.

Incomodado com o fato de que, a exemplo do que aconteceu no dia anterior, as principais autoridades governamentais envolvidas no projeto de Belo Monte estiveram ausentes, o senador José Nery prometeu apresentar novo requerimento de audiência pública sobre Belo Monte, desta vez obrigando representantes das autoridades a comparecerem a reunião. O senador também quer que uma comitiva da comissão vá a Altamira verificar as denúncias e informações apresentadas.

Foto: A senadora Marina Silva questionou a legalidade das audiência pública realizadas pela Funai em Belo Monte

À tarde, o grupo seguiu para o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) e no final do dia, foram recebidos pelo presidente do Ibama, Roberto Messias. Pressão por

Belo Monte derruba diretores

É de conhecimento público que o governo tem pressionado para que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) libere a licença para o projeto da Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu (PA). No início da semana o diretor de Licenciamento do órgão ambiental, Sebastião Custódio Pires, e o coordenador-geral de Infraestrutura de Energia Elétrica, Leozildo Tabajara da Silva Benjamin, deixaram os cargos. Em entrevistas, manifestaram que a saída estava diretamente relacionada às pressões sofridas para liberar a licença em um processo considerado ainda não pronto para ser aprovado.

Para a secretária executiva adjunta do ISA, Adriana Ramos, “a saída do diretor de Licenciamento do Ibama neste momento comprova a tentativa do Ministério de Minas e Energia de obter um licenciamento de cabresto, a qualquer custo, sem considerar que há procedimentos que precisam ser corrigidos e respostas sobre os impactos que não estão devidamente esclarecidas”. Com o atraso na licença do Ibama, o leilão da usina, previsto para dezembro, só deve ocorrer em 2010.

Goela abaixo

Especialistas de todo o País têm alertado para o impacto sem precedentes que a construção da Usina de Belo Monte terá sobre o ecossistema local, inclusive com a redução do volume de água no trecho conhecido como Volta Grande, o que pode afetar de maneira irreparável a pesca e a fauna. Além disso, serão alagados cerca de 51 mil hectares de floresta. Outra conseqüência danosa da obra será o incremento populacional.

Segundo o Estudo de Impacto Ambiental de Belo Monte, serão atraídas para a região mais de 100 mil pessoas, o que agravará a pressão sobre os recursos naturais. O aumento populacional que o empreendimento trará afetará também as comunidades locais porque incentivará um consequente aumento do desmatamento, da pesca e caça ilegal, da exploração madeireira e garimpeira.

O coordenador do painel de especialistas autores do trabalho Análise Crítica do Impacto Ambiental do Aproveitamento Hidrelétrico de Belo Monte, Francisco Del Moral Hernandez, disse que as áreas diretamente afetadas pelas obras serão bem maiores do que as apresentadas no Estudo de Impactos Ambientais (EIA), que também subestima a população atingida: “O que ocorre é uma desfiguração do licenciamento. Belo Monte é a maior obra do PAC, e, portanto, deveria ser um exemplo de como se conduzir o processo de licenciamento. Entretanto, volumes do EIA só foram entregues dois dias antes de algumas audiências e em Altamira, por exemplo, não houve discussão substancial sobre o tema.”

Para Antonia Melo, coordenadora do Movimento Xingu Vivo Para Sempre, a situação só reforça o conceito que o povo já tem das autoridades brasileiras: “Falam uma coisa, mas fazem outra. O próprio Presidente da República disse que não ia nos empurrar Belo Monte goela abaixo. Mas é isso que está acontecendo”.

Organizações pedem apoio da ONU

Também esta semana, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) enviou ao relator da Organização das Nações Unidas (ONU), James Anaya, uma carta denunciando a violação do direito de consulta livre, prévia e informada, previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e na Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas.

O documento, assinado também pelo ISA, descreve o processo unilateral e atropelado do licenciamento e a violação do direito de consulta prévia, confirmando o descaso do governo brasileiro e a falta de diálogo com os povos indígenas sobre Belo Monte. Coiab e ISA solicitam que o relator recomende ao Estado brasileiro que realize as devidas consultas antes do leilão da obra. Leia a tradução da carta.

O Governo Federal, interessado na concretização de Belo Monte a qualquer custo, violou o legítimo direito à consulta livre, prévia e informada das comunidades indígenas, ribeirinhos e demais afetados pelo empreendimento. As audiências públicas obrigatórias que antecederam o projeto estão sob investigação do Ministério Público Federal, por não contarem com a participação de todas as comunidades indígenas e outras populações do Xingu. Nem mesmo o próprio Ministério Público Federal participou de todas as reuniões.

Katiuscia Sotomayor (ISA) e Gustavo Rodrigues Macedo (Apib).

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