O Ministério Público Federal no Tocantins propôs ação civil pública em desfavor da União e da Fundação Nacional de Saúde (Funasa/TO) com o objetivo de garantir que as comunidades indígenas residentes no estado recebam tratamento adequado à sua saúde, assegurando ações básicas a partir do provimento integral do quadro das Equipes Multidisciplinares de Atenção à Saúde Indígena. A ação ressalta que a situação da saúde indígena é alarmante e exige intervenção urgente do Poder Judiciário em salvaguardar o direito à saúde dos povos indígenas que vivem no Tocantins.
Em caráter de antecipação de tutela, o MPF/TO requer da Justiça Federal que a União, por intermédio da Funasa, seja obrigada a realizar no prazo de seis meses concurso público para o preenchimento dos cargos necessários à prestação eficiente de saúde, estabelecendo-se vencimentos compatíveis com os praticados pelo Governo Federal para profissionais da área. Durante este prazo, as equipes sob seu controle administrativo e gerencial devem ser mantidas em atividade, inclusive quanto ao cumprimento da carga horária prevista, à eficiência e ao pagamento da remuneração correspondente.
Também por meio da Funasa, a União deve disponibilizar um veículo por equipe para o transporte dos profissionais da saúde até as aldeias. No prazo de 12 meses, devem ser instalados postos de saúde em todas as aldeias definidas no Plano Distrital. O mesmo Plano Distrital deverá trazer definição das ações voltadas ao saneamento básico nas comunidades indígenas abrangidas pelo Distrito Sanitário Especial Indígena – DSEI/TO.
Por meio do Ministério da Saúde, é requerido que a União suspenda as transferências dos recursos destinados ao financiamento das equipes de Saúde Indígena para os municípios antes destinatários, repassando-os diretamente para a Coordenação Regional da Funasa no Tocantins, para que esta assuma os compromissos financeiros com o pagamento das remunerações dos profissionais de saúde. Também é requerida a fixação de multa no valor de R$ 510,00 mensais por família indígena integrante do DSEI/TO, que deverá ser revertida à própria comunidade para enfrentamento de suas necessidades fundamentais.
Precariedade no atendimento aos indígenas
A ACP integra procedimento que tramita na Procuradoria da República no Tocantins para apurar ou buscar garantir acesso aos serviços básicos de saúde às comunidades indígenas, ao qual já estão apensados diversos outros procedimentos, todos com objetos correlatos. Estes procedimentos visam apurar reclamações quanto ao atendimento à saúde indígena prestado pela Funasa/TO, especialmente no que diz respeito ao transporte de indígenas para os locais de atenção à saúde e das equipes multidisciplinares até às aldeias, bem como da estruturação dessas equipes e sua remuneração.
Durante audiências públicas realizadas para debater o tema e em denúncias às autoridades de diferentes esferas da administração pública, foi explicitada a insatisfação dos indígenas com os órgãos responsáveis por lhes garantir uma melhor qualidade de vida, com preocupação especial com as crianças. Representantes dos povos indígenas do Tocantins apontam a ausência de veículos para o transporte de equipes multidisciplinares. O transporte dos índios para as cidades até mesmo para atendimentos simples leva a uma série de outros problemas, tais como o alcoolismo.
Em relação à capacitação das equipes multidisciplinares, é apontado que a alta rotatividade faz com que profissionais devidamente treinados desapareçam do sistema, sendo substituídos por profissionais sem treinamento, situação comum a todas as aldeias que integram o DSEI/Tocantins. Faltam quase todas as especializações. A remuneração dos profissionais que atendem à saúde indígena também é inferior à que outros profissionais equivalentes recebem no próprio serviço público. O salário previsto para um médico de 20 horas semanais é de R$ 5.500,00 quando médicos no Estado do Tocantins que trabalham para o Programa de Saúde na Família chegam a receber remuneração equivalente a R$ 18.000,00.
O saneamento básico também é precário, o que impacta diretamente a prevenção e controle de doenças. Serviços de saneamento adequados contribuem para minimizar riscos à saúde pública. A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), instaurada para investigar a morte de crianças indígenas por subnutrição em 2005, apontou em seu relatório que por falta de mobilidade das equipes multidisciplinares de saúde, houve aumento de morbidade, casos de diarreias e infecções respiratórias agudas e, em algumas áreas, de desnutrição. Apesar da comoção que as mortes das crianças indígenas causou, o drama dos povos indígenas permanece, com óbitos já neste ano de 2010.
Direitos garantidos por lei
Os diversos procedimentos administrativos instaurados permitiram apurar que a Funasa jamais estruturou adequadamente as Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena, estando todas carentes de profissionais. Ao contrário do que consta na própria legislação (portaria do Ministério da Saúde nº 2.656 de 17 de outubro de 2007), as comunidades indígenas não são atendidas nas aldeias, e para fugir à responsabilidade da contratação, a Funasa transfere a alguns municípios o ônus de contratar os profissionais para as equipes, o que é feito de forma irregular. A Funasa também não dotou as aldeias, pelo menos as maiores e de referência para as outras, com postos de saúde equipados e dotados de profissionais, e existe grande carência de saneamento básico e abastecimento de água nas aldeias.
O acesso à saúde dos povos indígenas reclama um modelo adequado à diversidade de seus valores culturais, que atenda aos princípios do controle social, da integralidade e da universalidade próprios do Sistema Único de Saúde, mas também de diferenciação, especificidade e tradição cultural que lhe são peculiares. O Congresso Nacional já aprovou a Lei nº 9.836 de 23/09/99, conhecida como Lei Arouca, que regulamenta o subsistema de atenção à saúde indígena no âmbito do SUS. Com o estabelecimento do SUS, a responsabilidade de toda a estrutura de Estado relacionada ao atendimento à saúde indígena, incluindo as unidades de saúde, os funcionários e os recursos orçamentários, passou a ser da Funasa.
A Portaria nº 254, de 31 de janeiro de 2002, instituiu a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (PNASPI), prevendo a adoção de um modelo complementar e diferenciado de organização dos serviços - voltados à proteção, promoção e recuperação da saúde - que assegurasse aos índios, em última análise, o direito à vida.
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