quarta-feira, 26 de maio de 2010

Bombas, cães e balas na aldeia

As mulheres procuram proteger as crianças. O cheiro forte do gás as deixa atônitas. Não conseguem fugir da ira dos cães e policiais que procuram empurrar os índios Terena para fora do local onde vivem há mais de meio ano. O acampamento Futuro das Crianças, com mais de trinta barracos, é esvaziado em pouco tempo.

Seguem as máquinas que estavam de prontidão para concluir a destruição. Em menos de meia hora barracos estão no chão e as plantações destruídas. Gritos, choros, correria...Terra arrasada. Sonhos destruídos. Dizia o professor Elvisclei: "Destruíram nossas casas, acabaram com nossas plantações, mas não passaram por cima de nossa dignidade".

Quem vem dos porões da liberdade dos tempos da ditadura talvez tenha bem presente na mente cenas semelhantes. Porém em pleno século 21, em tempos em que tanto se proclama a consolidação da democracia, nas terras dos habitantes primeiros desse território, isso poderia parecer ficção. Mas é realidade. O dia 17 de maio ficará na memória do povo Terena de Cachoeirinha, município de Miranda, no Mato Grosso do Sul, como o dia da resistência e da agressão truculenta. "Com aquele cheiro insuportável, tiros, cães...a gente não sabia o que fazer...a gente não está acostumado com essas coisas...", desabafou Maria, que além disso sofreu ofensas morais, com um policial apontando a arma para sua cabeça.

O dia seguinte

Quem imaginasse encontrar um povo abatido, um dia após a expulsão iolenta, certamente ficaria impressionado com a força, coragem e dignidade de uma comunidade guerreira, consciente de seus direitos e fortalecida em sua decisão de continuar lutando pela terra da qual acabavam de ser expulsos e que já está demarcada como terra Terena. Nas falas, afloravam os sentimentos de repulsa pela violência sofrida, mas principalmente a grandeza de quem se sente fortalecido e encorajado de levar avante a luta pelos seus direitos.

Os depoimentos das mulheres, dos guerreiros, das lideranças eram entrecortados com silêncios fortes e lágrimas incontidas. Foi um dia marcante na história da conquista da terra, da afirmação dos direitos e identidade, de elevação da dignidade e auto-estima da comunidade.

Em todas as falas ficou registrado sua profunda crença e gratidão a Deus por tê-los protegido, tendo apenas saído alguns com ferimentos leves. As feridas mais profundas foram as sofridas no coração, na alma, com as expressões preconceituosas e racistas proferidas pelo oficial de justiça e policiais durante a truculenta operação de despejo, conforme inúmeros relatos dos indígenas. No rosto e olhar de cada indígena Terena ali presente estava estampada a altivez e dignidade de um povo aguerrido, agredido, expulso, mas não vencido!

por Egon Heck

Fonte: Conselho Indigenista Missionário (Cimi)

Polícia abusa da violência para expulsar indígenas Terena de fazenda em MS

No último dia 17, cerca de 800 indígenas do Povo Terena de Mato Grosso do Sul foram violentamente expulsos de suas casas pela Polícia Federal. Os policiais, fortemente armados e munidos de cães, bombas e gás lacrimogênio, não fizeram distinção e agrediram, inclusive, idosos, mulheres e crianças durante a ação para reintegração de posse de parte da fazenda Petrópolis localizada no município de Miranda. O imóvel pertence ao ex-governador do estado Pedro Pedrossian.

A área já foi identificada pela Fundação Nacional do Índio (Funai) como Terra Indígena, mas grandes proprietários rurais aliados ao governo estadual, declaradamente anti-índigena, têm usado manobras judiciais para retardar o processo de demarcação. Outro subterfúgio patrocinado por este grupo é o emprego da intimidação, discriminação e violência contra os indígenas que lutam legitimamente por seus direitos.

Diversos crimes, entre eles ameaça, agressão e assassinato, têm sido cometidos contra os povos indígenas sul mato-grossenses por homens contratados pelos fazendeiros. E por diversas vezes os técnicos da Funai, responsáveis pelos estudos de identificação das terras indígenas, são impedidos de realizar seu trabalho e ter acesso às áreas em estudo.

Organizações indígenas como a Articulação dos Povos Indígenas do Pantanal (Arpipan) e a Aty Guassu (Grande Assembléia Guarani Kaiowá), além de entidades parceiras como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), têm denunciado esse crimes às autoridades sem que nenhuma providências seja tomada pela polícia ou pela Justiça do estado.

Os indígenas estavam há sete meses no local como forma de resistência aos abusos praticados contra seu povo e protesto contra a demora da Justiça em resolver a questão.“O povo já está de 28 para 29 anos brigando por essa terra. Quando a Funai tenta soltar suas portarias de identificação de terra, também o outro lado se mobiliza para impedir os trabalhos”, falou Lindomar Terena, líder indígena. Das que estiveram ocupando a fazenda, cerca de cem famílias foram para as aldeias Cachoeirinha e para a Fazenda Mãe Terra, ambas na mesma região da Fazenda Petrópolis.




Segundo o cacique Juarez, da aldeia Babaçu, o clima foi tenso. “Ficamos com mais medo quando a polícia começou a atirar com armas e bombas, e quem começou a confusão foi o Pedro Paulo, filho do ex-governador Pedrossian. Ele estava com uma pistola e atirou junto também”, denunciou o cacique. O cacique Paulino, da aldeia Moreira de Miranda também denunciou os fazendeiros. “Eles estavam juntos com os policiais e alguns estavam armados também”.
De acordo com o coordenador regional da Funai na área, Joãozinho da Silva, existem recursos há 30 dias. A comunidade indígena aguarda decisão da Justiça Federal sobre o caso e vai buscar outros meios de sensibilizar os ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal (STF).

Reunião
Após a desocupação da fazenda, o Instituto Nacional de Reforma Agrária (Incra) promoveu uma reunião, no dia 20, para discutir a situação de áreas de conflito entre indígenas e produtores rurais em Mato Grosso do Sul. Além do superintendente do Incra, o ouvidor agrário nacional e desembargador Gercino José da Silva Filho, também participaram do encontro representantes da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, da Polícia Federal, do Ministério da Justiça, da Fundação Nacional do Índio (Funai), autoridades do MPF (Ministério Público Federal) e representantes do MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), Fetagri/MS (Federação dos Trabalhadores na Agricultura de MS), CUT (Central Única dos Trabalhadores) e FAF (Federação da Agricultura Familiar).

Após a tentativa por parte das autoridades de que fosse assinado um termo de compromisso entre as partes, as lideranças Terena que participaram da reunião disseram que não “assinam documento” algum garantindo que não vão mais ocupar a Fazenda Petrópolis. Ao final do encontro, ficou marcada uma ida de representantes dos indígenas e dos fazendeiros a para visitas à Presidência, à Secretaria Nacional de Direitos Humanos, à Polícia Federal e ao Ministério da Justiça.