Desmatamento ilegal no rio Bacajá
A falta de cumprimento das condicionantes ambientais e sociais de Belo Monte têm recebido grande atenção em função do caos que se instala na macro-região de Altamira, e já gera protestos entre os setores que tradicionalmente apoiaram a usina, como a prefeitura, vereadores e o empresariado de Altamira. Mas é o não-cumprimento de condicionantes indígenas, cobradas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) no último documento enviado ao governo brasileiro, que está se tornando um problema mais grave.
Entre as condicionantes impostas pela Licença Prévia (LP) de Belo Monte em 2010, e que deveriam ter sido cumpridas antes da Licença de Instalação (LI), boa parte não saiu do papel, enquanto outra parte se arrasta a passos lentos.
De acordo com fontes ligadas à Funai, a reestruturação do atendimento à saúde indígena (condicionante da LI) está completamente parada. O Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI), responsável pelo setor de saúde nas aldeias, está desestruturado e atualmente dez aldeias da região de Altamira não contam sequer com técnicos de enfermagem, que, após cinco meses sem receberem salários, foram forçados a abandonar os locais de trabalho. Com isso, a remoção de pessoas enfermas das aldeias está praticamente paralisada e acaba sendo feita pelos próprios parentes.
Já em Altamira, a Casa de Transito (Casai), onde os doentes devem permanecer pelo período de recuperação, “é imunda, está superlotada, não tem estrutura e regularmente doentes são mandados de volta às aldeias antes do fim dos tratamentos”, informam as fontes.
Entre os principais problemas de saúde indígena estão os casos de malária, que praticamente dobraram nos últimos meses. “Se temos três pessoas infectadas na aldeia e elas não são removidas, em curto espaço de tempo já temos 20 novos contaminados”, explica um funcionário da Funai. Também os casos de mortalidade infantil vêm se agravando, atingindo hoje o dobro da média nacional. “Só este ano, quatro crianças indígenas morreram”, explica outro funcionário. De acordo com as fontes, o Plano Emergencial que deveria ter sido elaborado pela Norte Energia ainda em 2010 seria assinado com o DSEI apenas no final deste ano.
Em relação à questão fundiária – demarcação física das Terras Indígenas (TIs) Arara da Volta e Cachoeira Seca; levantamento fundiário e desintrusão da TI Apyterewa; redefinição de limites da TI Paquiçamba, com acesso ao reservatório; ilhas no Xingu entre as TIs Paquiçamba, Arara da Volta Grande do Xingu para usufruto exclusivo dessas comunidades; Todas as TIs regularizadas (demarcadas e homologadas), entre outros -, a Funai tem trabalhados nos processos, mas com grandes dificuldades e limitações.
Boa parte dos processos de demarcação foi encaminhada, mas o problema de ocupação de não-índios nas áreas continua sem solução. O caso mais emblemático é a TI Apiterewa, cuja portaria declaratória foi publicada em 2001 e que foi homologada em 2007. De acordo com o levantamento fundiário da área, publicado pelo Diário Oficial da União em setembro, há cerca de 1.270 ocupações de não-índios na TI, das quais 850 foram consideradas invasões de má fé (ocorridas após 2001 e que devem ser desapropriadas sem indenização). A retirada destes ocupantes, porém, “tem encontrado forte resistência por parte da bancada ruralista em Brasília, uma vez que constituem um curral eleitoral de mais de 6 mil votantes”, explica um funcionário da Funai. Segundo esta fonte, parlamentares como o senador Flexa Ribeiro (PSDB) e deputados federais do PT e do PDT estariam entre os que tem travado o andamento da desintrusão.
Já o processo de retirada de colonos da TI Arara da Volta Grande está parado e só deve começar após o término do levantamento fundiário da TI Cachoeira Seca, iniciado esta semana e com previsão de término apenas em janeiro de 2012. Após o processo de demarcação física da TI Arara, iniciada em x , no entanto, o cacique da aldeia, José Carlos Arara, passou a ser ameaçado de morte. “Ele não tem saído muito da aldeia em função disso, mas há a determinação de que tenha proteção da Força Nacional de Segurança sempre que vier a Altamira”, explica um funcionário da Funai.
As TIs Arara e Xipaya não estão homologadas ainda, como previa a condicionante da LP. Quanto à redefinição da TI Paquiçamba e o usufruto das ilhas do Xingu para as populações indígenas, não há nenhuma definição até o momento.
Outra condicionante de extrema importância (dada a chegada de milhares de novas pessoas à região, atraídas por Belo Monte), a fiscalização e vigilância das TIs, nenhuma medida foi implementada de fato. Foi construído um posto de vigilancia provisório na área dos Apiterewa, mas as demais terras indígenas – principalmente a última a ser criada, localizada entre as TIs Trincheira Bacaja e Koatinemo, e habitada por índios em isolamento voluntário – continuam desprotegidas. “Nas TIs Trincheira Bacajá e Cachoeira Seca, por exemplo, a invasão de madeireiras ilegais é absurda. O desmatamento é enorme, saem cerca de 20 caminhões de madeira por dia. Como houve um contingenciamento geral das verbas da Funai, do Ibama e da Polícia Federal, não há diárias para os fiscais, os crimes acontecem na nossa frente e não podemos fazer nada”, desabafa o funcionário da Funai.
A implementação de demais condicionantes também está caótica. Em relação à adequação e modificação dos projetos da BR 158 e PA 167 (condicionante da LP), nada foi feito. O comitê indígena para controle e monitoramento da vazão do rio, com treinamento, capacitação e participação das comunidades, que deveria ter sido criado 45 dias após a Licença de Instalação, não existe. O Plano de Proteção das TIs (prazo de 20 dias após a LI) também inexiste na prática. O mesmo se aplica ao plano operativo de execução do PBA (Plano Básico Ambiental), que teria que ter sido apresentado 30 dias após a LI.
Veja abaixo lista das condicionantes indígenas de Belo Monte:
Condicionantes da Licença Prévia:
- Grupo de trabalho para coordenação e articulação das ações governamentais
- Reestruturação do atendimento à saúde indígena pelo DSEI em Altamira
- Fiscalização e vigilância das TIs dos Grupos 1 e 2
- Adequação e modificação dos projetos da BR 158 e PA 167
- Regularização das TI: Demarcação fisica das TIs Arara da Volta e Cachoeira Seca; levantamento fundiário e iniciar desintrusão da TI Apyterewa; Solução e apoiar arrecadação de áreas para reassentamento dos ocupantes não-indígenas
- Termo de compromisso entre Funai e Eletrobras – programas de apoio e assistência aos povos indígenas
- Portaria para restrição de uso entre as TIs Trincheira Bacaja e Koatinemo, para proteçao dos indios isolados
- Fortalecimento da FUNAI na regularização fundiaria e proteção das TIs: Desintrusão das TI Arara da Volta Grande e Cacheoira Seca; Redefinição de limites da TI Paquiçamba, com acesso ao reservatorio; Completa desintrusão e realocação de todos os ocupantes não-indios das TIs envolvidas neste processo; Todas as TIs regularizadas (demarcadas e homologadas)
- Ilhas no Xingu entre as TIs Paquiçamba, Arara da Volta Grande do Xingu para usufruto exclusivo dessas comunidades
Condicionantes da Licença de Instalação
- Criação de um comitê indígena para controle e monitoramento da vazão que inclua mecanismos de acompanhamento – preferencialmente nas terras indígenas – além de treinamento e capacitação, com ampla participação das comunidades – prazo de 45 dias após a LI
- Formação de um Comitê Gestor Indígena para as ações referentes aos programas de compensação da AHE Belo Monte – prazo de 30 dias após a LI
- Definição clara de mecanismos de transposição das embarcações pelo barramento – prazo de 20 dias após a LI
- Implementação do Plano de Proteção das TIs – prazo de 40 dias após a LI
- Apresentar estudo complementar do rio Bacaja – prazo de 310 dias após a LI
- Apresentar plano operativo com cronograma de execução das atividades do PBA, após manifestação da Funai – prazo de 35 dias após a LI
- Apresentar trimestralmente modelagem sobre o adensamento da população na região - prazo de 90 dias após a LI
Fonte: Movimento Xingu Vivo
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