terça-feira, 23 de agosto de 2011

MANIFESTO DA ATY GUASU – TERRA INDÍGENA DE PASSO PIRAJÚ


Nós, povos Kaiowá e Guarani, reunidos em nossa Aty Guasu, realizada na Terra Indígena Passo Pirajú, município de Dourados, Mato Grosso do Sul, queremos mais uma vez mostrar à população regional, nacional e internacional nosso grande sofrimento e resistência na luta pelos nossos direitos.

Queremos agradecer a presença de nossos parentes indígenas de Bolívia, Colômbia, Equador e Perú e também nossos parentes indígenas brasileiros, dos povos Baré (AM) Wapixana (RR), Tupinambá (SP) Pataxó (BA) e nossos amigos de MS do povo Terena de Miranda (T.I. Cachoeirinha), Campo Grande (aldeias urbanas), Aquidauana (T.I. Ipegue) e também a liderança Kadiwéu de Bodoquena, que vieram para nossa Aty Guasu, conheceram nossa realidade e prestaram sua solidariedade e apoio às nossas lutas. Agradecemos o apoio dos amigos da causa indígena, de universidades, estudantes, organizações indigenistas, OAB e entidades de direitos humanos que também estiveram presentes em nossa reunião.

O povo Kaiowá e Guarani recebeu as autoridades do MPF, FUNAI, Polícia Federal, representantes do Governo Federal, deputados e vereadores, que ouviram nossas reivindicações pela demarcação definitiva de nossas terras. Não vamos tolerar qualquer retrocesso em nossos direitos. As autoridades da FUNAI e MPF informaram sobre o andamento das identificações de nossas terras e disseram que os relatórios serão entregues ainda este ano e alguns no início do ano que vem. Desde que o TAC foi assinado pelo MPF e Funai (em 2007), a cada Aty Guasu nos falam que os prazos serão cumpridos e isso nunca aconteceu. Nosso povo já não acredita mais em promessas e não vamos tolerar mais enganações e enrolações que violam nossos direitos. Queremos que os relatórios sejam Publicados no Diário Oficial da União, ainda neste ano de 2011.

Em conseqüência desse não cumprimento da lei de garantia de nossas terras, vivemos num quadro de permanente violência nas aldeias. Dezenas de nossas lideranças foram assassinadas sem que ninguém fosse punido. Impunidade que vem estimulando novas agressões e mortes contra nosso povo. Denunciamos a recente violência contra nossos irmãos Terena de Miranda que tiveram um ônibus escolar queimado causando ferimentos graves em estudantes Terena e ao motorista.

Queremos denunciar que durante nossa Aty Guasu, em data de ontem às 22h30, houve novamente dezenas de disparos de armas de fogo, contra centenas de nosso povo, numa clara tentativa de nos intimidar e aterrorizar. Os tiros foram disparados de um conhecido lugar chamado “Rancho Toca do Lobo” contiguo à Terra Indígena Passo Pirajú e que foi instalado pelo fazendeiro sendo destinado à Policiais de Dourados. Já denunciamos este fato uma centena de vezes e sempre continua.

Perguntamos: diante de mais de uma centena de testemunhas deste atentado, o que as autoridades vão fazer para prender e punir estes agressores assim como o fazendeiro que autorizou a permanência dos mesmos em nossa terra. Ou vão esperar morrer mais um indígena para fazerem alguma coisa. Isso nos faz crer que as autoridades não estão preocupadas com nossos povos e mostra um vergonhoso descaso, nos fazendo desacreditar nas autoridades. Vimos os tiros cortando o céu.

Nós povos Kaiowá Guarani estamos em movimento de retomada de nossas terras tradicionais e vimos sofrendo flagrantes violências de fazendeiros e pistoleiros locais, como ocorreu na semana passada no tekohá Mbaraka´y e Puelito Kue no município de Iguatemi. Jamais abandonaremos à luta pela demarcação de nossas terras tradicionais. Somos um povo com muita força, espiritualidade e esperança, marcadas pela nossa experiência e sofrimento na busca incessante de nossas terras.

Destruíram nossas riquezas naturais, nossos rios e matas para dar lugar a soja, o gado e, agora, também a cana. O boi em Mato Grosso do Sul possui muito mais terra que um índio Kaiowá e Guarani. Tratam nosso povo com racismo e preconceito. Não conhecem nossa cultura e nosso jeito de cuidar de nossa terra. Não entendem que a terra para nós é sagrada e não é um bem de consumo, uma mercadoria que produz o lucro. O que estamos passando hoje, principalmente a violência e a falta de alimentos nas aldeias, é causado pela falta de nossas terras e de nossas matas. Queremos nossas terras demarcadas! Mas, além disso, também queremos que o Governo Federal promova projetos voltados para recuperação ambiental e sustentabilidade das áreas demarcadas, com recursos federais voltados para a produção de alimentos, reflorestamento, recuperação do solo, acesso a equipamentos, conhecimento e tecnologia. Vamos retomar nossas terras para que nossas matas voltem a nascer e nossos córregos voltem a correr! Jamais vão conseguir nos calar ou fazer com que deixemos nossa luta pela retomada de nossas terras! É um caminho sem volta! Quanto mais nos agridem mais decididos ficamos pela reconquista definitiva de nossos territórios e menos acreditamos nas autoridades. Vamos avançar, nos organizando cada vez mais! Podem passar várias gerações e nosso povo continuará na luta até a retomada de TODAS as nossas terras tradicionais!

O governo Lula teve oito anos para cumprir suas promessas e não fez nada! Dilma até agora também não fez nada. O governador André Puccinelli é famoso por estar contra nossos direitos. Nos enganam, mentem e nos fazem esperar, mas não são essas autoridades que passam pelo que estamos passando. Não tem idéia do que estamos sentindo, mesmo nosso povo tendo entregado vários documentos e denúncias.

Sobre o Judiciário, é uma vergonha para o mundo despejar centenas de famílias às margens da rodovia sob a violência da polícia e dos fazendeiros, à margem de qualquer direito humano fundamental, previsto nas leis internacionais e na constituição federal, para defender os interesses de meia dúzia de ricos fazendeiros e políticos de Mato Grosso do Sul.

Queremos que o Judiciário e o Conselho Nacional de Justiça garanta uma estrutura especial e diferenciada para atender as demandas da questão indígena, assim como a Polícia Federal.

Onde estão as providências da Polícia Federal para processar e punir os assassinos de nossos queridos professores Rolindo Vera e Genivaldo Vera mortos (Rolindo continua com seu corpo desaparecido) por pistoleiros que expulsaram as famílias indígenas do tekohá Y´Poí em Paranhos. Não vamos tolerar mais essa demora e vamos nos organizar cada vez mais para retomarmos nossas terras, custe o que custar. E que o sangue de nosso povo semeie as nossas terras sagradas para renascer a esperança de alcançarmos a terra sem males.

O movimento indígena entende que a solução das terras indígenas devem se dar conforme os princípios constitucionais e que qualquer mecanismo de indenização seja feita após a identificação das terras indígenas.

Que o Conselho Nacional de Justiça através da Comissão criada para a questão indígena no Mato Grosso do Sul se empenhe para a imediata solução das terras indígenas com a conclusão das identificações e indenização dos ocupantes não-indígenas das áreas em demarcação.

Por fim, agradecemos toda a compreensão e solidariedade das pessoas de bem que compreendem a necessidade de resolvermos, de uma vez por todas, a situação dramática em que estamos!

Dourados-MS, Terra Indígena Passo Pirajú, 21 de agosto de 2011.

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