quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Funai libera construção de Belo Monte apesar de não saber quais serão seus impactos sobre os povos indígenas

Em decisão política que contradiz seu próprio parecer técnico, órgão oficial indigenista considera empreendimento “viável, observadas as condicionantes”, embora reconheça que o EIA/Rima de Belo Monte não dimensionou corretamente todos os impactos e tampouco apresentou propostas concretas de como evitar ou diminuir aqueles esperados sobre os povos indígenas da região.

A pressa é inimiga da perfeição. Ou pelo menos do bom-senso. Pressionada pela Presidência da República a liberar rapidamente a construção da UHE Belo Monte, no Rio Xingu (PA), para que o leilão de concessão possa ocorrer ainda no primeiro semestre de 2010, a direção da Funai acabou atropelando a análise de sua equipe técnica e opinou favoravelmente à construção da obra. Mesmo sem esclarecer de que forma os gravíssimos impactos socioambientais, previstos no EIA/Rima e por sua equipe técnica, serão evitados ou minimizados. (Veja aqui o ofício da Funai ao Ibama).

O Parecer Técnico n° 21 – Análise do Componente Indígena dos Estudos de Impacto Ambiental, de 30 de setembro, destaca, entre outras coisas, a falta de estudos e informações complementares que permitam a completa avaliação dos impactos sobre os povos indígenas; a manifestação insistente de indígenas contra o empreendimento; e a necessidade de consulta adequada aos povos afetados.

Apesar disso, decidiu pela viabilidade da usina hidrelétrica, com as seguintes condicionantes:

1) que se defina uma vazão mínima (“hidrograma ecológico”) a ser liberada no trecho do rio Xingu situado entre a barragem e a casa de máquinas que garanta a sobrevivência dos peixes e quelônios e a navegabilidade das embarcações dos povos indígenas que ali vivem;


2) que sejam apresentados estudos sobre os impactos previstos no Rio Bacajá, na beira do qual vive o povo Xikrin, que possivelmente sofrerá graves alterações mas que não foi estudado no EIA;

3) que haja "a garantia de que os impactos decorrentes da pressão antrópica sobre as terras indígenas serão devidamente controlados"

Impacto dimensionado, mas solução negligenciada

A grande questão é que todas essas informações são fundamentais para avaliar a própria viabilidade socioambiental do empreendimento. Um dos principais impactos previstos pela equipe técnica da Funai é o aumento da pressão sobre os recursos naturais das diminutas terras indígenas da região, que já sofrem com a exploração madeireira, a caça e a pesca realizadas por terceiros. Segundo o EIA serão atraídos para a região pelo menos 96.000 pessoas, o que levará ao aumento significativo dessas atividades ilegais. Não há nesse estudo, no entanto, a indicação de ações concretas que deveriam ser tomadas para evitar esses impactos, muito menos o seu dimensionamento em termos financeiros. Há apenas a sugestão de que “medidas apropriadas devem ser tomadas”.

O mesmo se diga para a vazão ecológica a ser garantida ao Rio Xingu. Como a barragem desviará as águas de um trecho de cerca de 100 km do leito do rio (na chamada Volta Grande), as condições ecológicas do rio nesse trecho serão profundamente alteradas, com impactos sobre a reprodução de peixes, tartarugas, sobre as florestas e, obviamente, sobre os povos indígenas que ali vivem, que dependem diretamente desses recursos para sua sobrevivência física e cultural.

Para que o ecossistema local não entre em colapso e as comunidades indígenas não sejam obrigadas a abandonarem suas terras é necessário garantir um mínimo de água nesse trecho. Ocorre que cada litro de água que passa pela barragem faz falta na geração de energia 100 quilômetros abaixo. Para uma usina que, durante a seca, produzirá pouco mais de 30% de sua capacidade instalada mesmo com toda a água sendo usada para geração, a definição do “hidrograma ecológico” é fundamental para saber inclusive da viabilidade econômica da obra. Mas ele ainda não foi definido e a Funai considerou a obra viável assim mesmo.

Falta de consulta adequada aos povos indígenas

Mais gritante é a informação sobre as consultas realizadas aos povos indígenas que serão impactados, obrigação do Estado em razão da Convenção 169 da OIT. Mesmo dizendo que as comunidades indígenas “não apresentam consenso quanto à implementação do AHE Belo Monte” e que tampouco consideraram adequadas as consultas realizadas, conclui que “… considera que cumpriu seu papel institucional no processo de esclarecimento e consulta junto às comunidades indígenas (…) no decorrer do processo de Licenciamento, realizando diversas oitivas nas aldeias.” Dessa forma, a consulta se transformou em mera formalidade, uma etapa burocrática a ser cumprida, sem nenhum significado real sobre a decisão a ser tomada ou sobre qualquer alteração no projeto ou nas medidas de mitigação e compensação ambiental. Essa conclusão desconsidera, inclusive, a solicitação feita por diversas lideranças indígenas ao Presidente Lula para que fossem realmente ouvidos e suas opiniões levadas em consideração, tal como dispõe a Convenção 169 da OIT.

No início da semana, representantes dos Povos Indígenas da região publicaram Moção de repúdio ao Parecer Técnico emitido pela Funai sobre a Usina de Belo Monte. Índios Kayapó começaram na quarta-feira (28/10) uma semana de protestos na comunidade de Piaraçú. A expectativa é reunir mais de 200 indígenas com representantes do Ministério de Minas e Energia e do Ministério do Meio Ambiente.

Perguntas que não querem calar


Diante de tão contraditória posição é o caso de perguntar:

Como poderia a Funai justificar a viabilidade de Belo Monte diante de um parecer que identifica tantos impactos sobre os povos indígenas?


Como poderia a Funai, sem conhecer devidamente todas as informações que permitiriam a avaliação de impactos, manifestar-se sobre a viabilidade?


Como poderia declarar que a consulta foi realizada, ao mesmo tempo que afirma que os povos indígenas afetados não se consideram consultados?




Fonte: site do Instituto Sociambiental (ISA)

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