sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Indígenas na Mídia - Belo Monte terá alojamento para abrigar Força Nacional

A preocupação com a segurança do canteiro de obras da hidrelétrica de Belo Monte fez com que os empreendedores da usina incluíssem, no plano para a instalação dos alojamentos da obra, quartos para abrigar homens da Força Nacional em situações críticas. A necessidade da medida seria em função das constantes ameaças de confrontos com indígenas e também por causa do quebra-quebra ocorrido na hidrelétrica de Jirau, no início do ano. O uso da Força Nacional se justificaria por se tratar de obra considerada estratégica para o país. Segundo fontes próximas ao consórcio, a medida não foi ainda efetivada pois a obra está somente no início e os acampamentos ainda são pioneiros.

A invasão de ontem realizada por centenas de índios, pescadores e ribeirinhos, entretanto, só reforçou aos empreendedores a necessidade de se ter um plano de segurança para a usina. Os organizadores da manifestação dizem que eram cerca de 600 as pessoas que estavam na região, mas a empresa Norte Energia, dona da usina, informou que eram cerca de 250.

O sítio Belo Monte, uma das quatro frente de obras da usina, foi tomado durante a madrugada de ontem mas sem qualquer resistência dos funcionários do consórcio construtor Belo Monte, que é liderado pela Andrade Gutierrez. No fim da tarde o juiz de Altamira já tinha determinado, por meio de decisão judicial, a desocupação. Em toda a construção, já estão trabalhando 3,6 mil operários. No sítio Belo Monte, são 1.200 e cerca de 190 estão alojados no local.

Os funcionários saíram do canteiro na noite anterior porque o consórcio já tinha informações de que a invasão aconteceria. A decisão da manifestação se deu durante seminário realizado na cidade de Altamira por várias entidades que são contra a construção da usina de Belo Monte.

O Ministério Público Federal também tem sido atuante na questão e entrou com uma série de processos judiciais contra a usina. Uma das principais ações alega que os índios não foram ouvidos, como determina a Constituição, e ainda questiona o licenciamento ambiental. O caso corre no Tribunal Regional Federal da 1ª Região e os desembargadores começaram a se manifestar sobre o assunto nesta semana. Dois deles já votaram, e o processo está empatado.

As manifestações contra a usina têm ganhado força no cenário internacional e chegaram a mobilizar a Organização dos Estados Americanos (OEA). Mas o governo brasileiro está disposto a reagir alegando a soberania nacional em empreendimentos estratégicos para o país. A questão da imagem do empreendimento na imprensa internacional tem sido trabalhada pelo Norte Energia.

Outras frentes estão sendo observadas. Ontem, o Conselho Nacional do Ministério Público anunciou que vai avaliar o limite da atuação dos membros do MP na fixação de compensações ambientais e na expedição de "Notificações Recomendatórias" para identificar eventuais excessos.

De acordo com representantes do Conselho Indigenista Missionário, que fazem parte da manifestação, a tomada foi pacífica. Além de ocupar o canteiro, bloquearam a rodovia Transamazônica no trecho que liga a capital paraense à Altamira. Os manifestantes querem que o governo federal defina alguém do alto escalão para negociar. Mas com a decisão judicial para a desocupação será difícil que se entre em negociação.

Os manifestantes entendem que a terra indígena será diretamente afetada porque em alguns casos a mudança do volume de água que circula no Rio Xingu poderia alterar a forma de vida desses povos. Executivos da Norte Energia alegam, entretanto, que nenhuma terra indígena será inundada e que as aldeias que forem atingidas serão recompensadas.

O projeto de Belo Monte prevê o desembolso de R$ 3,7 bilhões em compensações sócio-ambientais. No total, o investimento é da ordem de R$ 28 bilhões. A usina terá capacidade de gerar 11.233 MW, dividida em duas casas de força. Os principais sócios do empreendimento são a Eletrobras, com suas subsidiárias Eletronorte e Chesf, Neoenergia, Vale, Funcef, Petros, Cemig e Light.
 
Fonte: Valor Econômico

Inoperância do governo permite o genocídio do último povo indígena isolado no Maranhão

A equipe do Cimi de apoio aos povos indígenas isolados reuniu-se em Porto Velho/RO nos dias 26 a 28/10/2011 para fazer uma atualização de dados e a partir deles analisar o contexto em que se encontram estes povos na Amazônia.

Chamamos atenção para o risco de morte dos indígenas Awá Guajá isolados, no Maranhão pela ação de madeireiros que deixam um rasto de destruição na ultimas florestas da região localizadas no interior das terras indígenas. Os madeireiros, respaldados por influentes forças políticas, constituíram um verdadeiro poder paralelo afrontando o Estado de Direito e ameaçando a todos que se contrapõem as suas práticas ilegais. Desdenham das forças de segurança que se revelam incapazes de combater os crimes e de por fim a invasão das terras indígenas.

Os Awá Guajá perambulam em 05 terras indígenas demarcadas, continuamente invadidas e depredadas por madeireiros, que abrem estradas no seu interior, expondo esses grupos a massacres, a contaminação por doenças e afetando diretamente os recursos naturais que garantem a sua sobrevivência. Essa situação persiste e vem se agravando apesar das reiteradas denúncias encaminhadas pelos povos indígenas do Maranhão e das cobranças do Ministério Público Federal a Funai, Ibama e Polícia Federal que tem como atribuição garantir a proteção dos povos indígenas.

 Assusta-nos a inoperância e a omissão do poder publico diante do extermínio anunciado dos Awá Guajá isolados e a sua indiferença em relação ao Poder paralelo instalado pelos madeireiros na região.  Diante dessa realidade de ameaça a vida e de flagrante desrespeito aos direitos dos povos indígenas e dos crimes ambientais no Maranhão rogamos por uma mobilização imediata do governo federal para por fim a exploração ilegal de madeira nas terras indígenas e a impunidade na região. 

Porto Velho, 28 de outubro de 2011.

Equipe do Cimi de apoio aos povos indígenas isolados.

Em nota, Cimi rebate mentiras sobre ocupação do canteiro de obras da UHE Belo Monte

Nota do Cimi sobre as Informações Mentirosas Divulgadas em Relação à Ocupação do Canteiro de Obras da UHE de Belo Monte

Corre em alguns portais jornalísticos da internet a informação de que o bispo da Prelazia do Xingu (PA), dom Erwin Kräutler, presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), estaria presente e liderando os indígenas, pescadores, ribeirinhos e populações tradicionais que ocupam o canteiro de obras da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, em Altamira, PA, desde a manhã deste dia 27 de outubro.

O Consórcio Norte Energia divulgou nota afirmando que a maioria dos ocupantes do canteiro seriam de fora e que responderiam a interesses de indivíduos alheios aos interesses nacionais. A postura do Consórcio traz à memória o período da ditadura militar (1964-1985) quando quem fosse contra o regime era tratado como se estivesse agindo contra a pátria.

Vimos a público comunicar que Dom Erwin encontra-se fora do país, na Áustria, desde o dia 19 de outubro. Portanto, a informação divulgada é totalmente mentirosa e tendenciosa.

Notícias têm sido plantadas com o objetivo de esconder o fato dos povos indígenas, pescadores e outras populações locais terem tomado a iniciativa de demonstrar toda sua indignação e repulsa à UHE Belo Monte, ao Consórcio Norte Energia e a todas as ações governamentais envolvidas no caso.

O Cimi reitera seu entendimento sobre a ilegalidade do empreendimento de Belo Monte por violar o direito dos povos indígenas e populações tradicionais. Considera legítima a luta contra a construção da usina.

Brasília, 27 de outubro de 2011

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Indígenas na Mídia - Justiça do Pará determina desocupação da usina de Belo Monte

Grupos indígenas ocupam o canteiro de obras da hidrelétrica de Belo Monte.A juíza do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, da 4ª Vara Cível de Altamira, Cristina Collyer Damásio, determinou a imediata desocupação do local

A juíza do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, da 4ª Vara Cível de Altamira, Cristina Collyer Damásio, determinou a imediata desocupação do canteiro de obras da usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu (PA).Cerca de 500 manifestantes, sendo 300 índios de diversas etnias, ocupam o canteiro de obras da usina desde o começo da madrugada desta quinta-feira (27), segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Um trecho da BR-230, a rodovia Transamazônica, foi interditado na altura da entrada do canteiro de obras da hidrelétrica.

Em nota, o consórcio Norte Energia, responsável pelo empreendimento, afirma que a juíza "expediu decisão interlocutória, nesta tarde, determinando a imediata desocupação da área e proibindo quaisquer atos de turbação ou esbulho que comprometam o andamento da obra". A multa diária pela desobediência da decisão é de R$ 500.

Os manifestantes querem que o governo paralise imediatamente as obras. Entre as motivações para a ocupação está o adiamento do julgamento de ação movida pelo Ministério Público Federal contra a obra da usina, no Tribunal Regional Federal, na quarta-feira.

Segundo Cléber Buzatto, secretário-executivo do Cimi, a população afetada pela obra partiu para "uma ação direta de enfrentamento" por não ter tido voz nas discussões sobre o projeto. "A movimentação tem como reivindicação o barramento da obra. Os indígenas não foram ouvidos pelo Congresso quando foi expedido o decreto autorizando a obra. A lei determina que a autorização seja precedida de uma consulta aos atingidos", disse.
A Norte Energia diz que a maior parte dos manifestantes veio de fora da região de influência da usina. "Causa estranheza que o grupo de manifestantes, em sua maioria arrebanhados em outras regiões, liderado por pessoas movidas por interesses alheios aos nacionais, tenha ocupado uma área privada, resultando em desnecessária conturbação da ordem pública, constrangimento e intimidação aos trabalhadores".

A empresa ainda declara que o projeto tem aval do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Fundação Nacional do Índio (Funai), e está sendo conduzido "com a plena concordância da população local e dos povos indígenas da região".

Ontem (26), a Justiça adiou mais uma vez a decisão sobre o direito dos indígenas de serem ouvidos antes do início das obras. A ação foi movida pelo Ministério Público Federal (MPF) e pede a anulação do decreto que autorizou a construção de Belo Monte sem a realização de consulta prévia aos povos indígenas da região do Xingu.
O julgamento está empatado, com 1 voto a favor do MPF e 1 a favor do governo, pela continuidade das obras. O processo será retomado no dia 9 de novembro. Há outras 11 ações na Justiça contra a obra. Até a prefeitura de Altamira pediu a suspensão da obra, alegando que o consórcio não cumpriu as condicionantes para a realização da obra.

A usina de Belo Monte terá 11,2 mil megawatts (MW) de capacidade instalada e seu projeto é liderado pela Eletrobras, com cerca de 49,98 por cento do empreendimento. A Cemig e a Light também entraram no projeto, nesta semana, com participação de cerca de 10 por cento na usina.



Fonte:  Agência Brasil / Reuters / UOL

Vídeo - Lideranças Indígenas falam sobre a ocupação de Belo monte

Apesar do sol escaldante e a ameaça de uma repressão policial violenta, os povos indígenas da bacia do Xingu e outros povos solidários de outros estados, junto com pescadores e ribeirinhos mantiveram firme o bloqueio da Transamazônica e a histórica ocupação do canteiro de obras do maior obra do PAC, a megalomaníaca usina de Belo Monte.

O porquê da manifestação e as demandas apresentadas para o governo são bem claras, como explicam algumas das lideranças das 22 etnias participantes da manifestação, nas primeiras e breves entrevistas em vídeo captadas no local.
 
 
 
 
 
Fonte: Sommer Films /youtube

Indígenas correm riscos com instalação de Belo Monte, apontam especialistas

 Enquanto cerca de 600 manifestantes indígenas, ribeirinhos e ativistas ambientais ocupam o canteiro de obras da Usina Hidrelétrica de Belo Monte e fecham a Rodovia Transamazônica, na altura do quilômetro 50, em Altamira (PA), para protestar contra a instalação do empreendimento, a Associação Brasileira de Antropologia (ABA) afirmou hoje (27) que etnias indígenas estão em risco com a instalação da barragem na Bacia do Rio Xingu.

Durante debate no 35º Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), a professora da Universidade Federal do Pará (UFPA) Sônia Magalhães, que desde 2007 estuda comunidades afetadas, alerta que impactos ambientais não constam dos estudos sobre o empreendimento e denuncia que condicionantes para a instalação da usina como a desintrusão de invasores das terras indígenas não estão sendo cumpridas.

“Por meio de modelos matemáticos e de engenharia, o consórcio [responsável pela obra] diz que o rio [Xingu] não corre o risco de secar. Não é o que os índios pensam. Pela sua experiência, os velhos estão seguros do contrário e não há modelo matemático que os convença do contrário”, disse. “Eles contam que na época de seca, com a diminuição da vazão do Xingu, peixes podiam ser retirados do rio já cozidos. Imagine como será com a diminuição da vazão”, questionou.

Integrante da Comissão de Assuntos Indígenas da ABA e pesquisadora do povo Xikrin do Rio Bacajá - afluente do Rio Xingu - há 20 anos, Cibele Cohn afirma que os índios não conseguem expor sua opinião ou se defender dos impactos das obras porque não foram informados adequadamente sobre o projeto. Segundo a professora da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), há menos de um mês, quando viram pela primeira vez fotos de outras barragens, houve reações inesperadas.

“Até esse ano, os Xikrin nunca tinham visto a foto de uma barragem”, afirmou ao relatar uma reunião organizadas pelas lideranças nas aldeias. “Em uma cena muito marcante, quando um dos velhos viu um paredão de uma barragem semelhante ao que será construído, ele disse: é muito pior do que eu estava esperando”, narrou a antropóloga. A Fundação Nacional do Índio (Funai), por outro lado, informa que promoveu 38 reuniões e quatro audiências públicas nas aldeias.

Acolhendo as denúncias dos índios, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, braço da Organização dos Estados Americanos (OEA), também não considerou as consultas da Funai adequadas. Em abril, por meio de medida cautelar, determinou que o Brasil interrompesse a instalação da usina até que as consultas fossem refeitas de forma “livre, informativa, de boa fé” e em língua indígena, “com o objetivo de chegar a um acordo” com as sete etnias afetadas. As consulta também são alvo de ações judiciais no Brasil.

Para cobrar a paralisação das obras da usina até o cumprimentos das condicionantes estabelecidas para a instalação da hidrelétrica, povos indígenas do Xingu fazem uma grande manifestação em Altamira hoje (27), de acordo com a liderança do povo Arara, da aldeia Terrã-Wangã, Josinei Gonçalves, que participou do debate. Ele contou que as comunidades estão “assombradas” com os impactos e querem negociar as mitigações diretamente com a Presidência da República.

“São três pontos principais: a diminuição da vazão de rios que não nos permitirá, principalmente, chegar a Altamira, onde estão os serviços públicos e onde vendemos farinha, a diminuição dos peixes e o desmatamento, além dos conflitos por terra”, destacou Josinei que, assim como o cacique de sua aldeia, foi ameaçado de morte por colonos que invadiram terras indígenas atraídos pela obra. De acordo com o indígena, sem “conversas” não há prazo para fim da ocupação.

Em 35 anos de encontros nacionais da Anpocs, esta foi a primeira vez que a organização convidou um representante da sociedade organizada para participar de uma discussão.



Fonte: Agência Brasil

Declaração da Aliança do Xingu contra Belo Monte

“Não permitiremos que o governo crie esta usina e quaisquer outros projetos que afetem as terras, as vidas e a sobrevivência das atuais e futuras gerações da Bacia do Xingu”

Nós, os 700 participantes do seminário “Territórios, ambiente e desenvolvimento na Amazônia: a luta contra os grandes projetos hidrelétricos na bacia do Xingu”; nós, guerreiros Araweté, Assurini do Pará, Assurini do Tocantins, Kayapó, Kraô, Apinajés, Gavião, Munduruku, Guajajara do Pará, Guajajara do Maranhão, Arara, Xipaya, Xicrin, Juruna, Guarani, Tupinambá, Tembé, Ka’apor, Tupinambá, Tapajós, Arapyun, Maytapeí, Cumaruara, Awa-Guajá e Karajas, representando populações indígenas ameaçadas por Belo Monte e por outros projetos hidrelétricos na Amazônia; nós, pescadores, agricultores, ribeirinhos e moradores das cidades, impactados pela usina; nós, estudantes, sindicalistas, lideranças sociais e apoiadores das lutas destes povos contra Belo Monte, afirmamos que não permitiremos que o governo crie esta usina e quaisquer outros projetos que afetem as terras, as vidas e a sobrevivência das atuais e futuras gerações da Bacia do Xingu.

Durante os dias 25 e 26 outubro de 2011, nos reunimos em Altamira para reafirmar nossa aliança e o firme propósito de resistirmos juntos, não importam as armas e as ameaças físicas, morais e econômicas que usaram contra nós, ao projeto de barramento e assassinato do Xingu.

Durante esta última década, na qual o governo retomou e desenvolveu um dos mais nefastos projetos da ditadura militar na Amazônia, nós, que somos todos cidadãos brasileiros, não fomos considerados, ouvidos e muito menos consultados sobre a construção de Belo Monte, como nos garante a Constituição e as leis de nosso país, e os tratados internacionais que protegem as populações tradicionais, dos quais o Brasil é signatário.

Escorraçadas de suas terras, expulsas das barrancas do rio, acuadas pelas máquinas e sufocadas pela poeira que elas levantam, as populações do Xingu vem sendo brutalizadas por parte do consórcio autorizado pelo governo a derrubar as florestas, plantações de cacau, roças, hortas, jardins e casas, destruir a fauna do rio, usurpar os espaços na cidade e no campo, elevar o custo de vida, explorar os trabalhadores e aterrorizar as famílias com a ameaça de um futuro tenebroso de miséria, violência, drogas e prostituição. E repetindo assim os erros, o desrespeito e as violências de tantas outras hidrelétricas e grandes projetos impostos à força à Amazônia e suas populações.

Armados apenas da nossa dignidade e dos nossos direitos, e fortalecidos pela nossa aliança, declaramos aqui que formalizamos um pacto de luta contra Belo Monte, que nos torna fortes acima de toda a humilhação que nos foi imposta até então. Firmamos um pacto que nos manterá unidos até que este projeto de morte seja varrido do mapa e da história do Xingu, com quem temos uma dívida de honra, vida e, se a sua sobrevivência nos exigir, de sangue.

Diante da intransigência do governo em dialogar, e da insistência em nos desrespeitar, ocupamos a partir de agora o canteiro de obras de Belo Monte e trancamos seu acesso pela rodovia Transamazônica. Exigimos que o governo envie para cá um representante com mandado para assinar um termo de paralisação e desistência definitiva da construção de Belo Monte.

Altamira, 27 de outubro de 2011

 
ALIANÇA DO XINGU CONTRA BELO MONTE

Ocupamos o canteiro de obras de Belo Monte

Indígenas se preparam para ocupar o canteiro de obras de Belo Monte

Belo Monte vai cair! Para isso o primeiro passo já foi dado. Na madrugada desta quinta-feira (27), a caravana dos guerreiros em defesa da Amazônia ocupou um dos canteiros do Complexo Hidrelétrico de Belo Monte, cortando também a sua entrada pela rodovia transamazônica, nas proximidades da Vila Santo Antônio, no km 50, como prova da resistência dos povos do Xingu nessa batalha épica em defesa da vida que já dura mais de 30 anos.

Depois de muitas tentativas de diálogo com o governo Dilma, cansados de esperar por uma consciência que nunca existirá, cerca de 600 lideranças indígenas, pescadores, ribeirinhos, provaram para o governo do PAC, que a voz em defesa da Amazônia livre das hidrelétricas não se calará. Guerreiros e guerreiras Araweté, Assurini, Kayapó, Krahô, Apinajé, Gavião, Munduruku, Guajajara, Arara, Xipaya, Xikrin, Juruna, Guarani, Tupinambá, Tembé, Ka’apor, Tupinambá, Tapajós, Arapyun, Maytapeí, Cumaruara, Awa-Guajá e Karaja, entoamos o cântico de luta contra o Belo Monstro.

“Estamos aqui para exigir a paralização dessa obra, como protesto a falta de respeito, consulta. A nossa vontade de ocupar esse espaço já existia há muito tempo, agora estamos aqui. Não vamos sair daqui enquanto o governo não cancelar esse projeto de morte que é essa hidrelétrica. Estamos prontos para a guerra, é para isso que estamos aqui”, afirmou Sonia Guajajara, vice coordenadora da COIAB.


Liderança Kaiapó pinta Sônia Guajajara, vice coordenadora da COIAB, que participa  da ocupação

A manifestação tem recebido o apoio das comunidades do entorno. Assim, a vitória é certa. As crianças da escola primária da comunidade Santo Antonio vieram prestar solidariedade aos manifestantes. Donas de casa, pais de família, todos são solidários. Apesar da rodovia que está interditada, as lideranças permitem a passagem de doentes e de casos mais graves que necessitam de passagem urgente, o que que garante um respeito à manifestação. “É importante que as crianças acompanhem a nossa luta, para que cresçam conscientes e com uma formação de caráter diferenciada. E que saibam de seu papel em defesa, não somente dos seus direitos, mas em defesa do nosso planeta”, profetiza Juma Xipaia.

De acordo com Ozimar Arara da Volta Grande do Xingu, os direitos garantidos na Constituição brasileira, devem ser garantidos. “Belo Monte não é bem vindo para nós, pois sabemos todo o mal que vai nos trazer. Queremos que Belo Monte seja parada de uma vez por todas. Enquanto houver índio aqui não vai ter hidrelétrica”.


Lideranças  na ocupação das obras de Belo Monte

“Vamos mostrar para o mundo, que estamos contra essa hidrelétrica que quer acabar com a floresta, que quer acabar com os que vivem na floresta. Daqui a Kayapó não vai sair enquanto Dilma não resolver esse problema de Belo Monte”, disse o cacique Ireô Kayapó. As lideranças convocam a presença de mais guerreiros, aliados da causa indígena. Que mais pessoas possam se dirigir para o local da manifestação. Do Vale do Itajaí à Raposa Serra do Sol, que os povos indígenas possam engrossar as fileiras dessa resistência vibrante, que defende a Amazônia das garras da tirania do desenvolvimento insustentável.
 
 

Guerreiros rumo à Belo Monte
 
 
 
FONTE: ASCOM COIAB / FOTOS: Diego Janatã

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Tribunal Regional Federal adia pela segunda vez a decisão sobre as obras de Belo Monte

Nesta quarta-feria, dia 26,  o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) adiou pela segunda vez a decisão sobre a Ação Civil Pública, impetrada pelo Ministério Público Federal do Pará (MPF-PA), que pede o cancelamento do licenciamento ambiental e a inconstitucionalidade do Decreto 788/2005 do Congresso Nacional – que libera a obra sem a realização da consulta de boa fé aos povos indígenas do Xingu e populações tradicionais, tal como diz a Constituição Federal e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Nó último dia 17, a Desembargadora Federal Selene Maria de Almeida apresentou seu voto e declarou inválidas a autorização e licença ambiental para Belo Monte.  Na ocasião o Desmbargador Fagundes de Deus pediu vistas do processo. Ao se pronuciar na tarde de ontem, ele  divergiu da colega e votou contra a Ação e a favor da continuação da obra.

Como os dois votos iniciais divergiram, a Desembargadora Maria do Carmo Cardoso, terceira a votar a matéria, pediu vistas do processo, adiando novamente o julgamento. O processo  tem a previsão de voltar à pauta no dia 9 de novembro. Caso a desembargadora Maria do Carmo vote junto com a desembargadora Selene Almeida,  as obras de Belo Monte poderão ser finalmente paralisadas. Além desta,  existem ainda mais 10 ações em tramitação denunciando ilegalidades no processo que levou à construção da Usina.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

TRF1 retoma amanhã julgamento de Ação Civil Pública que pode suspender Belo Monte

Amanhã, 26 de outubro, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF 1) vai dar continuidade ao julgamento da Ação Civil Pública nº 0000709-88.2006.4.01.3903, que pode suspender a construção da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu (PA). Impetrada pelo Ministério Público Federal, a ação trata do direito dos povos indígenas de serem consultados pelo Congresso Nacional antes do início das obras que impactem suas comunidades, conforme previsto pelo Art. 231 da Constituição Federal. Além desta, outras 11 ações denunciando ilegalidades no processo de Belo Monte aguardam julgamento.

Caso saia do papel, Belo Monte vai destruir uma das regiões mais ricas em diversidade biológica e cultural do planeta, quando há alternativas melhores e menos impactantes para produzir energia. Isso sem contar que o orçamento da obra, majoritariamente financiada com dinheiro público, já ultrapassa o valor astronômico de R$ 30 bilhões.

Se você, como nós, acha que é papel do Poder Judiciário evitar os crimes que já estão sendo cometidos contra o meio ambiente e os povos do Xingu, envie o texto abaixo para os endereços que seguem:

Sugestão de Mensagem aos Desembargadores do TRF1:

Excelentíssima Senhora Desembargadora Federal,
Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal,

O FUTURO DO XINGU NAS MÃOS DA JUSTIÇA

Há dez anos, quando o Governo Federal retomou o projeto de barragem no rio Xingu, criado durante a ditadura militar, o Ministério Público Federal do Pará (MPF/PA) passou a detectar ilegalidades em todos os estágios do processo de licenciamento ambiental da hidrelétrica de Belo Monte e na própria concepção da usina.

Até hoje, o MPF ingressou com 12 Ações Civis Públicas (ACPs) na Justiça contra Belo Monte. Oito delas receberam liminares favoráveis, mas foram revistas pelo presidente da instância superior, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), em Brasília, sem que os méritos jurídicos fossem considerados. Argumentou-se apenas que Belo Monte seria um projeto importante da política energética do país, sem análise profunda de suas ilegalidades.

Agora, uma das mais importantes ACPs (processo 0000709-88.2006.4.01.3903), que denuncia que os povos indígenas afetados por Belo Monte não foram consultados de forma adequada antes do início das obras, está em pauta para julgamento amanhã, dia 26 de outubro. A consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas (também conhecida como oitivas indígenas) é uma obrigação prevista na Constituição Federal e em tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Em 2006, o TRF1 foi favorável ao Ministério Público Federal, confirmando a necessidade de realização das oitivas antes do início das obras.

Importante destacar que a população de Altamira e de outras partes do Brasil e do mundo está mobilizada pelo fim desse projeto. Essa semana (25 a 27 de outubro), será realizado um Seminário Mundial sobre Belo Monte com a presença de aproximadamente 800 representantes de populações indígenas, ribeirinhos, pescadores, pequenos agricultores, barqueiros e comunidade no geral para expressar o inconformismo com os grandes projetos hidrelétricos na bacia do rio Xingu e, de modo especial, Belo Monte. Os povos da Amazônia querem ser ouvidos, consultados sobre os empreendimentos em suas terras.

Como cidadão preocupado com a política do fato consumado que marcam as construções das grandes obras de infra-estrutura no país, solicito vossa especial atenção para este julgamento – bem como das demais ações em curso. A obra não pode sobrepor-se aos direitos humanos de populações indígenas e tradicionais ou mesmo à preservação do meio ambiente, garantidos pela Constituição Brasileira.

Respeitosamente,

(Nome, Cidade, País)

Presidente do TRF1
• OLINDO MENEZES

Desembargadora Federal
• SELENE ALMEIDA

Desembargador Federal
• FAGUNDES DE DEUS

Desembargador Federal
• JOÃO BATISTA MOREIRA
 
 
FONTE: Conselho Indigenista  Missionário (Cimi)

Governo brasileiro foge de audiência sobre Belo Monte na Comissão de Direitos Humanos da OEA

Convocado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) a participar, em 26 de outubro, de uma audiência em Washington sobre o não cumprimento de medidas cautelares de proteção das populações indígenas do Xingu, o Governo Federal anunciou, na última sexta, 21, que não comparecerá.

Em abril deste ano, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da OEA determinou que o Estado brasileiro suspendesse as obras de Belo Monte e que adotasse medidas urgentes para proteger a vida e a integridade pessoal dos membros das comunidades tradicionais da bacia do rio Xingu. Surpreendentemente, o governo brasileiro, além de descumprir as medidas internacionais e conceder a Licença de Instalação do empreendimento, adotou uma postura inédita de ameaça, desrespeito e deslegitimação do sistema interamericano de proteção aos direitos humanos, repetindo no Itamaraty a forma autoritária que adotou nos processos internos de licenciamento da usina. A retirada da candidatura à CIDH do ex-ministro de Direitos Humanos Paulo Vannuchi e a ameaça de suspender o pagamento da contribuição à OEA foram alguns dos expedientes de chantagem usados pelo Estado brasileiro após a determinação internacional de suspender Belo Monte.

No dia 26 de setembro de 2011, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA convocou o governo brasileiro e as organizações que representam as comunidades indígenas (Movimento Xingu Vivo para Sempre, Sociedade Paraense de Direitos Humanos, Justiça Global, AIDA) para uma reunião de trabalho na próxima quarta-feira, dia 26 de outubro, em Washington, sede da Comissão Interamericana. Desde então, as comunidades e as organizações peticionarias vinham buscando recursos para garantir que Sheyla Juruna e Antonia Melo, da coordenação do Movimento Xingu Vivo para Sempre, viajassem desde Altamira, no Pará, até os Estados Unidos, para participar da audiência. A comunicação do governo à CIDH e aos peticionários, de que o Brasil “não se fará representar”, pegou a todos de surpresa.

A decisão do Brasil ocorreu dias depois do julgamento da ACP 2006.39.03.000711-8, que exige o cumprimento do artigo 231 da Constituição e da Convenção 169 da OIT, para que o Congresso Nacional realize a consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas afetados por Belo Monte. No último dia 17, a desembargadora Selene Almeida, do Tribunal Regional federal da Primeira Região (TRF1), deu voto favorável ao requerimento, que então foi objeto de pedido de vistas pelo desembargador Fagundes de Deus.

Em toda a história da participação no sistema interamericano, esta é a primeira vez que o Brasil falta uma reunião de trabalho convocada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA. A decisão expõe a covardia de um governo que, sabendo das ilegalidades e arbitrariedades cometidas no processo de licenciamento e construção de Belo Monte, evita ser novamente repreendido publicamente pela Comissão. Mas não só isso: o Estado brasileiro dá ao mundo um triste exemplo de autoritarismo e truculência, deixando claro que o país estará fechado para o diálogo quando for contrariado em instâncias internacionais.

A postura do Brasil tem poucos precedentes na História, e pode ser comparada à de Trinidad e Tobago (1998) e do Peru (1999) que, governado por Fujimori e insatisfeito com as decisões da Comissão e da Corte Interamericana, ameaçou sair do sistema interamericano. Vários especialistas da região têm avaliado que o Brasil passou a desempenhar, a partir deste ano, um papel chave para debilitar a Comissão Interamericana.

Belo Monte: símbolo da sanha ditatorial

Em 1989, após passar por 21 anos de ditadura militar, o Brasil se preparava para as primeiras eleições diretas para presidente desde 1960. Cerca de três mil pessoas se reuniram na cidade de Altamira, no Pará, para participar do I Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, um marco democrático da luta em defesa da Amazônia. Quando o então presidente da Eletronorte apresentou as intenções do Governo de construir a mega-usina hidrelétrica de Kararaô, na Volta Grande do rio Xingu, a índia Tuíra se aproximou da mesa e, em um gesto emblemático, encostou o facão nas faces do “homem branco”. A imagem correu o mundo, e sua força e dramaticidade serviram para disseminar o grito de indignação dos indígenas contra as intenções de governantes e empresários de construir um complexo hidrelétrico em uma das regiões de maior biodiversidade da Amazônia.

Há poucos anos, seria difícil imaginar que aquele projeto, desenvolvido quando vivíamos páginas infelizes de nossa História e praticamente sepultado durante o processo de redemocratização do país, seria ressuscitado com outro nome: Belo Monte. Pior: que, justamente em um momento de afirmação e consolidação de nossas conquistas democráticas, este projeto seria imposto de forma autoritária, desrespeitando a vontade dos povos da Amazônia, violando a legislação brasileira e ignorando tratados e mecanismos internacionais de proteção aos direitos humanos.

O Governo de Dilma reforça mais uma vez a cara dupla que assumiu quando o assunto é direitos humanos: para fora, nas tribunas e púlpitos da ONU ou da imprensa estrangeira, discursos exemplares; para dentro, no quintal de casa, uma postura arbitrária e a relativização dos direitos de alguns brasileiros que estão no caminho dos seus planos e projetos.

As organizações abaixo assinadas repudiam veementemente o não comparecimento do governo brasileiro em audiência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, e, mais uma vez, afirmam a necessidade de que a construção da hidrelétrica de Belo Monte seja imediatamente suspensa, para que sejam respeitados os direitos dos habitantes do município de Altamira e de todas as comunidades tradicionais do Xingu.

24 de outubro de 2011.

Assinam esta Nota:

Movimento Xingu Vivo para Sempre
Justiça Global
Sociedade Paraense de Direitos Humanos
Prelazia do Xingu
Conselho Indigenista Missionário
Dignitatis – Assessoria Técnica Popular
Movimento de Mulheres de Altamira Campo e Cidade
Rede Justiça nos Trilhos
Associação dos Indígenas Juruna do Xingu do Km 17
Mutirão pela Cidadania

 
Fonte: Conselho Indigenista Missionário

EM ALTAMIRA: TODOS CONTRA BELO MONTE



Centenas de lideranças indígenas, pescadores, pequenos agricultores, ribeirinhos, representantes de movimentos sociais estão presentes no Seminário Mundial Contra Belo Monte, que acontece na cidade de Altamira, no Pará e vai até o dia 27.

Sonia Guajajara, vice coordenadora da COIAB, conduziu a mesa de abertura e moderou a parte da manhã, destacou a importância desse momento para os povos indígenas. “Não podemos desistir nunca. Precisamos mostrar a nossa resistência, a nossa força pois a nossa união,a nossa cultura são mais fortes do que as máquinas desse projeto de destruição. O Governo precisa ouvir a nossa voz”, disse.



 
O evento conta com a participação de lideranças indígenas de outros estados que também sofrem com a problemática de grandes obras nos territórios indígenas. São os casos das hidrelétricas de Estreito no Maranhão e de Serra Quebrada no Tocantins. “Não queremos a construção de Belo Monte.

Querem tirar recursos das terras indígenas para o país crescer. Muitos problemas para nós”, diz Josué Karajá. Antônia Kraho denuncia que a soja invade as terras indígenas no Tocantins, e a saída é a união dos povos indígenas. “Aqui nesse encontro eu estou vendo é força para cobrarmos os nossos direitos. Temos que pegar a onça que manda esses grandes projetos para as nossas terras. Temos que ir atrás da onça e pisar forte no chão.Quem tá comprando é de outros países, aqui tão jogando é dinheiro. Não é só a Dilma não. Tem muito projeto para acabar com a gente”.

De acordo com o chefe geral da nação kayapó, Sr. Ireô Kayapó, há muito tempo o governo tentar emplacar Belo Monte, mas não vai conseguir.



 
“Nunca trouxeram coisa boa para nós. Hoje vamos fazer o documento no Seminário. Temos que levar esse documento para a Presidente Dilma. Assim que nós resolvemos, assim se derruba Belo Monte. Tem que articular nossa saída para Brasília, para fazer esses encaminhamentos. Não podemos ficar só aqui, é preciso levar a informação certa, de que não queremos essa obra aqui”, afirmou a liderança.

Para Juma Xipaia, jovem liderança da região de Altamira, “Belo Monte não é um fato consumado. As máquinas estão ai, mas Belo Monte só vai sair se ficarmos de braços cruzados perante essa situação. Isso depende de cada um de nós, devemos e temos a obrigação e o direito de barrar Belo Monte. Muitos documentos foram feitos, mas a situação continua a mesma. Vamos continuar mandando documento pra Dilma que ela nem recebe. Devemos mudar o nosso jeito de lutar, se queremos impedir a barragem de Belo Monte, precisamos ir pra rua, protestar, fazer valer o sangue indígena, o espírito guerreiro que somos. Temos direitos e é preciso que eles sejam respeitados. Vamos unir forças e falar a mesma língua. Não podemos ficar só falando enquanto as máquinas derrubam as árvores. O rio chora a cada dia!”

Antônia Melo, liderança do Movimento Xingu Vivo Para Sempre, protestou contra a ausência do governo brasileiro na audiência que seria realizada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, cobrando explicações sobre o não cumprimento das condicionantes. “Queremos com esse Seminário dá uma caminhada certa de onde queremos chegar. A Justiça já sabe. Temos dois caminhos, continuar cobrando a Justiça para fazer o seu papel e a outra é continuar organizados na resistência, rumo ao grito bem forte dos povos do Xingu pelo cancelamento de Belo Monte. Não vamos recuar, o mundo está conosco. Nós somos a historia e temos o compromisso e o dever de fazer acontecer”.





As lideranças presentes no evento estão programando, para amanhã, uma manifestação pública pelas ruas da cidade.

O Seminário mundial Contra Belo Monte vai até quinta-feira (27), na Catedral da Igreja Católica em Altamira.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Supremo Tribunal Federal adia novamente votação sobre Terra Indígena Pataxó Hã-Hã-Hãe

O Supremo Tribunal Federal (STF) retirou de pauta a Ação Cível Originária (ACO-312), referente à nulidade de títulos incidentes na Terra Indígena Caramuru-Paraguaçu, localizada no sul da Bahia. A votação da decisão sobre a terra do Povo Pataxó Hã-Hã-Hãe, que tramita na Justiça brasileira há quase 30 anos, estava prevista para esta quinta-feira, dia 20, às 14hs. Este já é o segundo adiamento em relação ao tema em menos de um mês.

 
Mais de cem lideranças Pataxó Hã-Hã-Hãe chegaram ontem a Brasília para acompanhar a votação. Apesar da frustração com mais este adiamento de um assunto tão importante para a comunidade, que sofre com a criminalização de suas lideranças e os freqüentes e violentos ataques de pistoleiros, os indígenas devem se unir a uma comissão que está na cidade desde setembro e buscar um diálogo com os ministros do STF. O objetivo é tentar sensibilizá-los sobre a importância de garantir aos indígenas o direito de viver de forma definitiva e em paz, em sua terra ancestral, cuja legitimidade já está comprovada em diversos estudos antropológicos. Leia aqui nota técnica conjunta assinada pela Associação Brasileira de Antropologia, Associação Nacional de Ação Indigenista e o Conselho Indigenista Missionário, que traz os devidos esclarecimentos sobre a questão.

A luta do Povo Pataxó Hã-Hã-Hãe

Na ação (ACO 312), a Funai pede que os títulos de propriedade incidentes sobre a Terra Indígena sejam declarados nulos – ou seja, percam totalmente sua validade. Apesar de quatro perícias da Funai já terem confirmado a presença e a ocupação dos indígenas em suas terras desde pelo menos 1650, os ocupantes não-indígenas contestam a ação e se tratar de terras de propriedade da União. O Ministério Público Federal opinou a favor da nulidade dos títulos de propriedade concedidos aos não-indígenas em abril de 2001.

O julgamento da ACO 312 já começou. Segundo o relator do processo, Ministro Eros Grau, “não há títulos de propriedade válidos no interior da terra, anteriores à vigência da Constituição Federal de 1967”, que é a Constituição de referência para o caso, pois estava valendo no momento em que a ACO 312 chegou ao STF, em 1982.

O artigo 186 daquela Carta considerava as terras ocupadas tradicionalmente pelos indígenas como sendo de domínio da União, para usufruto dos índios, além de declarar a nulidade de qualquer título de propriedade de terra localizada dentro da área.

O ministro Eros Grau concluiu que os índios estavam presentes na região desde muito antes da Constituição de 1967: “Abrange toda a área habitada, utilizada para o sustento do índio, necessária à preservação de sua identidade cultural”, e votou pela procedência da ação (a favor dos indígenas), “para declarar a nulidade de todos os títulos de propriedade cujas respectivas glebas estejam localizadas dentro da área da reserva indígena Caramuru-Catarina Paraguaçu”.



Com informações do Conselho Indigenista Missionário (Cimi)

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

A proteção dos direitos indígenas no Santuário dos Pajés, em Brasília-DF: Laudo entregue a FUNAI por antropólogos indicados pela ABA esclarece a questão

Diante dos acontecimentos repercutidos na sociedade brasiliense e na imprensa nacional sobre a invasão da terra indígena Bananal ou Santuário dos Pajés, localizada no Plano Piloto da Capital Federal, o que tem acarretado na destruição do cerrado e em violência física contra indígenas e seus simpatizantes, a Comissão de Assuntos Indígenas (CAI) da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) vem a público alertar para a urgência da identificação, delimitação, demarcação e proteção da área, e prestar os seguintes esclarecimentos:

1. Por solicitação da FUNAI, a ABA indicou dois experientes antropólogos para a elaboração do laudo antropológico sobre a área, cujos nomes foram previamente referendados por lideranças da comunidade indígena do Santuário dos Pajés, onde vivem famílias Fulni-ô, Kariri Xocó e Tuxá, oriundas do Nordeste do país. São eles: Prof. Dr. Jorge Eremites de Oliveira (coordenador) e Prof. Dr. Levi Marques Pereira (colaborador), ambos docentes da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), sediada em Mato Grosso do Sul, onde atuam nos programas de pós-graduação em Antropologia e História, tendo participado da produção de diversos laudos administrativos e judiciais sobre terras indígenas naquele estado, todos aprovados pelo órgão indigenista oficial.

2. O estudo intitulado Laudo antropológico referente à diligência técnica realizada em parte da área da antiga Fazenda Bananal, também conhecida como Santuário dos Pajés, localizada na cidade Brasília, Distrito Federal, Brasil, concluído sob a coordenação do antropólogo Prof. Dr. Jorge Eremites de Oliveira, foi entregue no início de setembro de 2011 a servidores da FUNAI em Brasília, a antropólogos do Ministério Público Federal (MPF) e a lideranças da comunidade indígena do Santuário dos Pajés. Mais recentemente, no dia 13/10/2011, foi entregue uma nota complementar com medições da terra indígena à Presidência da FUNAI, MPF e lideranças do Santuário dos Pajés.

3. O Laudo concluído atesta de maneira clara, objetiva e consistente que se trata de terra tradicionalmente ocupada por comunidade indígena, cuja extensão é de, pelo menos, 50,91 hectares. Atesta que a ocupação indígena no Santuário dos Pajés remonta a fins da década de 1950, quando ali chegaram indígenas da etnia Fulni-ô, provenientes de Águas Belas, Pernambuco, e iniciaram o processo de ocupação da área. Posteriormente, a partir da década de 1970, famílias Tuxá e Fulni-ô estabeleceram moradia permanente no lugar e ali passaram a constituir uma comunidade multiétnica, com fortes vínculos de tradicionalidade com a terra e participantes de uma complexa rede de relações sociais. Mais tarde somaram-se a elas famílias Kariri Xocó. Um Processo da FUNAI no qual constavam importantes documentos para o esclarecimento dos fatos, inclusive procedimentos oficiais para a regularização da área, sob Nº 1.607/1996, desapareceu de dentro do próprio órgão indigenista.

4. Nos últimos anos, parte da área tem sofrido impactos negativos diretos pelas obras do Projeto Imobiliário Setor Noroeste, sob a responsabilidade da empresa TERRACAP, cujo licenciamento ambiental ocorreu sem o necessário estudo do componente indígena local. Além disso, tem sido registrada a destruição da área de preservação ambiental e o uso da violência física contra membros das famílias indígenas e seus apoiadores, bem como prejuízos às suas moradias e demais benfeitorias, conforme divulgado pela imprensa nacional.

5. É urgente que a FUNAI constitua um Grupo de Trabalho para proceder aos estudos necessários à identificação, delimitação e demarcação da terra indígena, em conformidade com a lei. Isso é necessário que a Justiça faça jus ao próprio nome e proíba a continuidade das obras, solicitando a retirada das construtoras da área e apurando as violações aos direitos humanos, indígenas e ambientais que têm sido amplamente divulgadas nos meios de comunicação.

6. A morosidade da FUNAI em tomar as providências para assegurar os direitos territoriais, inclusive no que se refere à entrega formal do laudo à Justiça, tem aumentado a situação de vulnerabilidade e causado grandes prejuízos àquela comunidade indígena e à conservação ambiental do lugar. Tal postura favorece os setores ligados à especulação imobiliária em Brasília e seus aliados políticos, inclusive pessoas ligadas a conhecidos esquemas de corrupção no Distrito Federal e segmentos da impressa a elas vinculados, os quais seguidamente distorcem e manipulam os fatos a favor de seus patrocinadores.

Rio de Janeiro, 18 de outubro de 2011.

João Pacheco de Oliveira
Coordenador da Comissão de Assuntos Indígenas/ABA

Abaixo-assinado e Manifesto dos Povos Indígenas Kaiabi, Munduruku e Apiaká sobre os Aproveitamentos Hidrelétricos Teles Pires, São Manoel e Foz dos Apiacás

Para: Presidente da República Federativa do Brasil; FUNAI; MPF; MPE; Ministério de Minas e Energia; Ministério da Justiça

Nós lideranças e representantes indígenas reunidos na Aldeia Kururuzinho, entre os dias 21 e 22 de setembro de 2011, vimos através deste manifestar nossa indignação em relação aos Aproveitamentos Hidrelétricos pensados pelo governos Lula e seguido pela sua sucessora a Presidenta Dilma, previstos para serem construídos no Rio Teles Pires.

Nós que vivemos dos recursos naturais dessa região por gerações e gerações sabemos muito bem os graves problemas que essas hidrelétricas irão causar quando alterarem as condições naturais do rio, da floresta, dos animais, dos peixes e dos espíritos que habitam nesse local. Aldeias antigas e cemitérios dos nossos antepassados serão destruídos e inundados. Nossos velhos e pajés sempre nos aconselham a respeitar nossa natureza e falam sobre a importância de preservarmos nossa história e nossos recursos. Mesmo sabendo de tudo isso, as lideranças Kayabi e Apiacá aceitaram a realização dos estudos do componente indígena para que pudéssemos ter maiores esclarecimentos técnicos sobre os impactos desses empreendimentos.

Infelizmente, nem mesmo atendendo as leis dos brancos, que dizem da necessidade de realizar estudos para cada fase das licenças ambientais, não estamos sendo respeitados no cumprimento dessas exigências. A barragem de Teles Pires teve a Licença de Instalação aprovada pelo Ibama sem que os estudos fossem corrigidos, como exigimos, e fosse elaborado os programas do estudo chamado de PBA. Os estudos têm sido feitos na correria, sendo considerados falhos e empurrados sempre para depois.

Quando estávamos pensando em nos reunir e pensar sobre como proceder em relação a barragem de Teles Pires, descobrimos que o governo já está organizando audiências públicas para dar a Licença Prévia para a barragem de São Manoel. O estudo do componente indígena para essa barragem foi feito com dados secundários, conforme informou a Funai, sem que o antropólogo viesse em nossas aldeias escutar o que nós temos a dizer sobre as interferências em nosso rio.

Manifestamos para a Funai que aceitamos que o antropólogo venha realizar os estudos nas terras indígenas para que ele possa registrar nossa indignação com o modelo de desenvolvimento imposto pelo governo que só está pensando em construir hidrelétricas. Mas aceitar a presença do antropólogo em nossas aldeias não quer dizer que estamos a favor desses empreendimentos. Pelo contrário, queremos que ele deixe claro nosso posicionamento e temor dessas barragens nos estudos.

Ressaltamos que não somos contra o desenvolvimento do Brasil, mas somos contra o modelo energético que está sendo pensado e implementado de forma muito rápida, modificando o rio, nossa cultura e os modos de vida indígena. Por isso, somos contrários a construção dessas barragens.

Nesse sentido, manifestamos nossa indignação com a velocidade com que o governo está querendo se apropriar do rio Teles Pires, sem atender a própria legislação ambiental e principalmente sem promover com tempo necessário maiores debates e consultas, conforme estabelece a Convenção 169, contrariando os direitos indígenas.

Queremos que o Ministério Público Federal e todas as outras instituições que enviamos esse manifesto intervenha nesses empreendimentos e possa nos ajudar a encontrar uma solução que possa respeitar os nossos modos de vida, cultura, representação política e os direitos assegurados pelo ordenamento jurídico brasileiro e internacional.

Contamos com o apoio de vocês nessa luta e esperamos que as autoridades competentes possam intervir na construção imediata dessas hidrelétricas.

Os signatários

Clique no link para assinar a petição online e apoiar a luta : http://www.peticaopublica.com.br/PeticaoVer.aspx?pi=P2011N14647

NOTA TÉCNICA SOBRE O JULGAMENTO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF) DA AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA 312 (ACO-312), REFERENTE À NULIDADE DE TÍTULOS DE PROPRIEDADE INCIDENTES SOBRE A TERRA INDÍGENA CARAMURU-PARAGUAÇU

No momento em que a ação Cível Originária (ACO-312), referente à nulidade de títulos incidentes na Reserva Indígena Caramuru-Paraguaçu, na Bahia, volta à pauta de julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF), julgamos oportuno trazer mais uma vez a público as informações de caráter legislativo, histórico e antropológico que subsidiam de modo inconteste os direitos territoriais indígenas sub judice na lide.

1. Do Processo de Constituição Legal, Histórica e Social da Reserva Indígena Caramuru-Paraguaçu

1.1. Em 1926 o Estado da Bahia, através da Lei Estadual 1916, de 09 de agosto, determinou destinar "50 (cinquenta) léguas quadradas de terras em florestas gerais ou acatingadas, para o gozo dos índios Tupinambás e Patachós, ou outros ali habitantes" (art. 1º).

1.2. A figura constitucional do "reconhecimento" "aos índios" de "direitos (...) sobre as terras que tradicionalmente ocupam", nesses termos consagrada na Constituiçã de 1988, aparece pela primeira vez apenas na Carta Constitucional de 1934, em que está, em seu artigo 129, sob a formulação de que "Será respeitada a posse de terras aos silvícolas que nelas se achem permanentemente localizados, sendo-lhes, no entanto, vedado aliená-las". Tal figura de direito aparece daí por d iante em todas as constituições brasileiras, até a dita de 1988, ora em vigor.

1.3. Entretanto, um tal dispositivo constitucional não existia quando da supra referida destinação de terras a índios em 1926.

De fato, durante todo os períodos colonial, imperial e republicano até a dita carta de 1934, a atribuição legal de terras a indígenas se fez apenas por "destinação" ou "doação" formais por parte do ente estatal que detinha, por Lei, o direito sobre essas terras - Rei de Portugal no período colonial, e, em seguida, Imperador e, no período republicano inicial, os Estados, proprietários legais das terras ditas "devolutas" desde a Lei de Terras de 1850.

1.4. Ao assim destinar terras a indígenas, não tinha evidentemente o Estado a intenção de "respeitar" ou "reconhecer" a sua "posse" ou "ocupação" tal qual se daria então, posto que essa figura legal não existia. Com efeito , como se pode depreender facilmente do conhecimento de toda a história das relações entre Estado e indígenas no Brasil, do período colonial àquela altura do republicano, a atribuição formal de terras a indígenas tinha antes o objetivo de reunir a esses em espaços determinados, de forma compulsória quando necessário, deslocando para dentro das áreas assim destinadas diversos contingentes de população indígena, frequentemente de grupos socialmente bem distintos entre si e de origens etnolinguísticas diversas, de modo a, com essa sua circunscrição territorial, liberar terras para a ocupação colonial.

1.5. Não terá sido outro o intento do Estado da Bahia ao fazer a supra referida destinação.

1.5.1. Como é sabido, ainda se encontrava em plena vigência no Sul da Bahia, nas décadas iniciais do século XX, o processo de ocupação de terras pela expansão da lavoura cacaueira. Do mesmo modo, havia ain da aí bandos indígenas autÃ?nomos e sem contato regular com a sociedade nacional, sendo as táticas e operações de dizimação destes pelas frentes de expansão cacaueira igualmente conhecidas e registradas na documentação e literatura especializadas.

1.5.2. Por outro lado, seguindo uma tendência do final do período imperial e início do republicano em toda a região, o estado da Bahia, por sua Lei 198, de 21/08/1897, havia extinguido os aldeamentos indígenas no estado, deixando assim ao desabrigo de reconhecimento e assistência estatais enquanto grupos sociais específicos e diferenciados, contingentes indígenas habitantes dos sítios desses antigos aldeamentos de origem imperial ou mesmo colonial, como os existentes, na região Sul da Bahia, no seu  litoral (notadamente Olivença) ou às margens dos rios Colônia e Pardo. Uma tal extinção também abrira esses sítios à penetração das frentes de expansão cacaueira, não sem ocorrência de conflitos por vezes graves com os contingentes indígenas aí situados, como notoriamente ocorria então no caso de Olivença.

1.5.3. Parece claro assim que, ao fazer a supra referida destinação, tinha o estado a intenção de reunir, em uma área circunscrita para esse fim, tanto os bandos ainda isolados em toda a região, quanto esses contingentes em extintos aldeamentos, ambos em explícitas situações de confronto com a sociedade regional em franca expansão territorial.

1.5.4. Não por acaso menciona a referida Lei que a área que institui se se destinaria "ao gozo dos índios Pataxós e Tupinambás", sendo sabido, àquela altura, que pelo menos boa parte dos bandos isolados seriam de já conhecida etnia pataxó; e que o mais conhecido dos aldeamentos extintos, o de Olivença, também o que vivia maior conflito com a sociedade regional, era de origem de Tupis da costa, portanto "Tupina mbás".

Mas não esquece o texto legal de mencionar "ou outros ali habitantes", o que mais uma vez denota a sua intenção de circunscrever de modo abrangente, na área destinada, todos os contingentes indígenas de uma região, o Sul da Bahia, então em franco processo de ocupação pela expansão de uma importante frente econômica regional.

Nesses termos, o "ali habitantes" não pode ser entendido como referente ao interior da área destinada, cujos limites não são sequer definidos pela Lei, mas a toda essa região. Em apoio a esse entendimento, deve ser dito que era bem sabido então, sem sombra de dúvida, que nas matas interiores em que se devia implantar a área assim reservada, não habitavam Tupinambás, e sim apenas junto à costa.

1.6. Com efeito, uma tal tarefa de reunião de contingentes indígenas diversos teve início logo em seguida à referida Lei, tendo à frente o Serviço de Proteção aos Índios (SPI), que entre 1926 e o ano seguinte, instalou três postos para atração desses índios: o Caramuru à margem esquerda do rio ColÃ?nia; o Ajuricaba (de existência efêmera) à margem direita do rio Pardo; e o Paraguaçu, aproximadamente a meio caminho entre os anteriores.
Como se sabe, para esses postos foram atraídos os últimos bandos isolados que puderam ser salvos do extermínio pelas frentes cacaueiras, formados por diminutos contingentes de pataxós e por um bando ainda menor de um grupo distinto, conhecido por Baenã (de provável filiação etnolinguística "botocuda").

Foram também atraídos contingentes daqueles antigos e extintos aldeamentos, a começar já em 1926 pelos Kamakã de São Pedro de Alcântara (atualmente Ferradas), não por acaso situado junto ao florescente núcleo cacaueiro do antigo arraial das Tabocas, já então a recém criada cidade de Itabuna, principal núcleo urbano de toda a região.

Todo esse processo se concluiria pouco mais de dez anos depois, como é sobejamente testemunhado pelos escritos do notório indigenista Curt Nimuendaju (1938), agente direto desse processo, com a chegada dos contingentes de Kamakãs oriundos das extintas aldeias do rio Pardo, e dos chamados Kariri-Sapuyá, egressos das localidades de São Bento (no atual município de nova Canaã) e Santa Rosa (próxima à cidade de Jequié) - ambas no interior da região cacaueira - e personagens de uma longa peregrinação que os trouxera, desde a década de 1830, de seus aldeamentos coloniais em Pedra Branca, onde haviam então protagonizado importantes rebeliões contra a ocupação de suas terras.

1.7. Conforme dito, embora o estado da Bahia houvesse destinado a esses índios 50 léguas quadradas de terras, situando-as 'grosso modo' entre os cursos dos rios Gongoji e Pardo, os seus limites não foram fixados na Lei nem foram efetivamente demarcados sem que antes se consolidasse ou praticamente se completasse o processo de ajuntamento de indígenas de procedências diversas junto aos dois postos mantidos pelo SPI.
Tal não é difícil de compreender se se entende que o sentido de toda a empreitada na qual se insere a edição da Lei - com a destinação de terras sem limites ainda definidos - e a implantação e a ação dos postos do SPI, destinava-se antes a um tal ajuntamento ou "redução" de indígenas junto a postos do órgão federal, e não ao "reconhecimento" ou "respeito" a terras então sob posse de indígenas - figura legal inexistente até 1934 - fossem eles "isolados" ou habitantes dos extintos aldeamentos.

1.7.1. Vale referir que a prática de tais reduções ou ajuntamentos não deixou de ser praticada após a Constituição de 1934. Pelo contrário, o SPI e sua sucessor a Funai seguiram promovendo, em todas as regiões do país, esses processos de ajuntamento de indígenas de procedências diversas, pelo menos até a década de 1970, como se tornou notório por exemplo no caso do "parque" do Xingu, criado em 1960 e para onde os seus principais gestores, os notórios irmãos Villas-Boas, trouxeram, por meios diversos, povos indígenas até então situados em áreas circunvizinhas mas externas aos seus limites.

Uma tal prática de deslocamentos compulsórios e "ajuntamento" de indígenas, embora já concomitante com situações de reconhecimento de posse indígena, só deixou de fato de ocorrer a partir da década de 1980 e, nitidamente, após a Constituição de 1988.

1.8. Entre 1936 e 1937 o SPI e o estado da Bahia realizaram, enfim, de modo conjunto, a demarcação de uma área em torno dos ditos postos Caramuru, Paraguaçu e Ajuricaba (esse último então ainda existente). Junto ao Posto Caramuru haviam sido reunidos os bando s até então "isolados" e junto ao Paraguaçu os grupos egressos de extintos aldeamentos.

Vale referir que a área assim demarcada tem cerca de 54100 hectares, menos de terço dos 180000 hectares (50 léguas quadradas) originalmente destinados.

1.9. Vale também referir que pelo menos a imensa maioria dos grupos indígenas aí reunidos não se encontrava no interior dos limites demarcados anteriormente a esse processo de "reunião". A maioria dos bandos dos Pataxó teriam vindo das cabeceiras do rio Salgado, de onde teriam sido atraídos para o Sul até o seu confluente Colônia, limite norte da área a ser demarcada e onde se implantou o Posto Caramuru; e pelo menos um dos seus bandos, o dito Hã-Hã-Hãe, teria sido atraído desde além do Rio Pardo, para o Sul, em serras do atual município de Itarantim. Os Baenã, por sua vez, estariam, no momento da atração, entre as bacias do Colônia e do Pardo, a o este da linha demarcatória que viria a ser implantada pelo estado da Bahia. Outros baenãs e pataxós, situados mais ao norte, entre o Colônia e o Gongoji e, portanto, mais longe dos postos, como muitos outros desses bandos isolados não tiveram a sorte de chegar a ser "atraídos" até os postos, tendo sido dizimados pelos colonos cacaueiros.

Do mesmo modo, todos os extintos aldeamentos de onde vieram os demais grupos se situam fora dos limites que vieram a ser demarcados.

1.10. O que ocorreu em seguida à demarcação da área que viria a ser designada na documentação oficial como Reserva Indígena Caramuru-Paraguaçu; e a consolidação dos seus postos federais e grupos de habitantes indígenas, é também bastante conhecido a partir da documentação e literatura especializadas.

Embora a carta de 1934 vedasse a alienação das terras sob posse indígena, não era vedado o seu arrendamento, e este foi de fato praticado em larga escala pelo SPI, consoante a expansão da lavoura cacaueira, que não estancou diante dos limites demarcados, haja visto inclusive que em boa parte do interior desses situam-se terras especialmente propícias para essa lavoura. A concessão indiscriminada de arrendamentos ensejou conflitos com os indígenas e propiciou a sua expulsão das terras pelos fazendeiros arrendatários ou mesmo ex-arrendatários, que cessaram de pagar os arrendamentos diante de um SPI cada vez mais impotente, negligente e mesmo ausente e corrupto, o que chegaria a um extremo no longo período de crise por que passou o órgão entre a morte do seu criador e inspirador, o Marechal Rondon, em 1958, e a sua extinção em 1967. O órgão que o sucedeu após essa extinção, a Funai, também não adotou, por longo período, medidas que pudessem reverter o quadro de esbulho, expulsão de indígenas e apossamento ilegal de suas terras, mesmo após os arrendamentos de terras indígenas passarem a ser vedados pela Lei 6001 - Estatuto do Índio - de 1973.

1.11. Vale ressaltar que, mesmo em grande parte expulsos das terras que lhe haviam sido destinadas, os indígenas da Reserva Caramuru-Paraguaçu nunca deixaram totalmente de ocupá-las, mantendo núcleos de resistência permanente, notadamente junto às ruínas do posto Caramuru, na localidade hoje conhecida como Bahetá, e nas margens do rio Panelão, no extremo oriental da Reserva.

1.12. Entretanto, diante da persistente omissão federal, o estado da Bahia concedeu, entre 1976 e 1982, não sem protestos dos indígenas, títulos de propriedade a diversos ocupantes de terras no interior da reserva.

1.13. Finalmente em 1982, com apoio da Funai e da Polícia Federal, indígenas refugiados em outras áreas indígenas retomaram uma das "fazendas" que ocupavam o seu território, estabelecendo aí uma "cabeça de ponte" para o progressivo retorno de outras famílias expulsas, até o contingente atual superior a 2000 pessoas, vindo também a ocupar outras áreas que, a partir de 1997, mediante negociações entre a Funai e os seus ocupantes, foram transferidas à posse indígena, tendo o órgão federal indenizado benfeitorias e os seus ocupantes reconhecido formalmente o direito indígena a essas terras. Com isso, os indígenas ocupam hoje cerca de um terço da área originalmente reservada, mas se mantém um sangrento conflito de já quase trinta anos que tem provocado o assassinato de muitos indígenas por pistoleiros.

A ação de nulidade de títulos ora por ser julgada foi ingressada pela Funai logo em seguida à ação de 1982, quando o órgão e o governo federal retomaram formalmente a gestão da área, após tê-la abandonado praticamente por completo nas décadas anteriores.

2. Do Estatuto Legal da Terra Indígena Caramuru-Paraguaçu e da Legitimidade de sua Tradicional Ocupação Indígena

2.1. Pelas circunstâncias legais de sua criação e implantação, a Terra Indígena Caramuru-Paraguaçu deve ser considerada, nos termos do Estatuto do Índio (Lei 6001 de 1973), uma "área reservada".
Com efeito, conforme o artigo 17º dessa Lei:

"Reputam-se terras indígenas:

I - as terras ocupadas ou habitadas pelos silvícolas, a que se referem os artigos 4º, IV, e 198, da Constituição;

II - as áreas reservadas de que trata o Capítulo III deste Título;

III - as terras de domínio das comunidades indígenas ou de silvícolas."

Dispondo ainda que:
"Das áreas reservadas

Art.26º A União poderá estabelecer, em qualquer parte do território nacional, áreas distintas à posse e ocupação pelos índios, onde possam viver e obter meios de subsistê ncia, com direito ao usufruto e utilização das riquezas naturais indígenas, (...)"

Tais áreas não se confundem, pois, com as ditas "terras ocupadas", definidas pelo citado art. 198 da Constituição vigente então, a Emenda Constitucional nº 1 de 1969:
"Art. 198. As terras habitadas pelos silvícolas são inalienáveis nos têrmos que a lei federal determinar, a êles cabendo a sua posse permanente e ficando reconhecido o seu direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e de tÃ?das as utilidades nelas existentes."
É evidente que essas "terras habitadas", expressão idêntica à da Constituição de 1967, são as mesmas terras das quais se diz que "Será respeitada a posse" aos "silvícolas" que nelas "se achem localizados em caráter permanente", nos termos das Constituições de 1934, 1937 e 1946; e que na Constituição de 1988 se definem como "terras tradicionalmente ocupadas", sobre as quais se "reconhece" "direitos originários".
A essas o constituinte nitidamente determinou, como condição para o seu reconhecimento e proteção, um caráter de "habitação permanente" por indígenas, expressão consagrada nesses exatos termos no §1 do Art. 231 da presente Constituição.

Tal não é entretanto o caso das "áreas reservadas", que são, conforme supra, "áreas distintas à posse e ocupação pelos índios" que "a União pode estabelecer em qualquer parte do território nacional".

Assim, criada por Lei Estadual e administrada pela União através do SPI a partir da implantação de seus postos já no mesmo ano (1926) e por este demarcada em 1936, a área Caramuru-Paraguaçu manteve, desde então e até a edição da Lei 6001, em que pese as omissões e corrupções administrativas e esbulhos possessórios havidos, o seu caráter legal de área destinada "ao gozo dos índios", nos termos da Lei que a criou, ou, analogamente, de "área" "onde" estes "possam viver e obter meios de subsistência, com direito ao usufruto e utilização das riquezas naturais indígenas", nos termos da definição legal de "área reservada" de 1973.

É, pois, de "área reservada" o caráter legal da já então denominada "Reserva Indígena Caramuru-Paraguaçu" a partir da constituição dessa figura legal em 1973.

2.2. Por outro lado, a referida área e Terra Indígena deve ser também tomada, à luz do disposto na Constituição de 1988 e na jurisprudência dela decorrente, como "terra tradicionalmente ocupada por indígenas".

Uma tal "ocupação tradicional", que é histórica e não atemporal, é algo socialmente construído, ao longo de determinado período de tempo, na relação entre grupos sociais e os territórios que ocupam ou passam a ocupar.

O eminente jurista José Afonso da Silva diz, em seu Curso de Di reito Constitucional Positivo, que "'terras tradicionalmente ocupadas' não revela uma relação temporal, não se refere a tempo de ocupação. 'Ocupadas tradicionalmente' não significa ocupação imemorial".

Segundo o ilustre autor, "tradicionalmente refere-se (...) ao modo tradicional de os índios ocuparem e utilizarem as terras e ao modo tradicional de produção, enfim, ao modo tradicional de como eles se relacionam com a terra, já que há comunidades mais estáveis, outras menos estáveis, e as que têm espaços mais amplos em que se deslocam etc."
Ou ainda, que "não se deve privilegiar somente dados históricos, quando se trata de definir terra de ocupação tradicional indígena, porque o 'tradicionalmente' do texto constitucional não se refere a tempo pretérito, mas à forma de ocupação de um dado território. Implica em dizer também da ocupação atual, segundo culturas e tradições, as quais ta mbém são mutáveis."
2.2.2. Num exemplo regionalmente próximo à da Terra Caramuru-Paraguaçu, tem-se a Terra Indígena Coroa Vermelha, em que indígenas da etnia Pataxó se instalaram, de forma mansa e pacífica, em 1972, tendo aí constituído, desde então, um grupo social específico, e portanto com modos também próprios e específicos de relação com esse território e os seus recursos, constituindo aí pois também, deste modo, uma dada "ocupação tradicional". Essa Terra foi em 1998 declarada "de posse permanente indígena" e em seguida devidamente regularizada como Terra "tradicionalmente ocupada" por índios, nos termos da Constituição de 1988.

2.3. Não é difícil pois caracterizar, nos termos supra referidos, a ocupação indígena na área da Terra Indígena Caramuru-Paraguaçu, a partir das décadas de 1920 e 1930, como um processo de conformação de uma "tradicional ocupação" indígena, já perf eitamente configurada quando da promulgação da Constituição de 1988.

Nesse processo, os grupos indígenas ali reunidos estabeleceram relações próprias e estáveis entre si, inclusive através de inter casamentos, definiram áreas de ocupação dentro do território demarcado e aí resgataram tradicionais práticas agrícolas, de caça e de pesca, em ambientes já conhecidos dos grupos formadores, a Mata Atlântica e o agreste (ou "florestas acatingadas" nos termos da Lei de 1926) ; e ainda, não menos importante, enfrentaram as compulsões da relação com o Estado nacional tutelar e com o processo de esbulho decorrente dos arrendamentos e expulsões, conformando também nesse processo formas próprias de organização, de resistência e de luta, que alcançariam o seu ponto mais significativo na "retomada" de 1982.

2.4. Esse processo de conformação de uma "terra tradicionalmente ocupada por índios" sobre a áre a originalmente demarcada para os postos Caramuru e Paraguaçu, já perfeitamente caracterizada quando da instituição dessa figura constitucional em 1988, em nada colide com o estatuto de "área reservada" que essa área terá tido a partir da sua origem, sendo como tal definida nos termos da Lei 6001 de 1973. Pelo contrário, só a reforça e com ela conflui, em todos os sentidos, na consolidação do direito desses indígenas sobre esse território.

3. Da Formação do Povo Indígena Pataxó Hã-Hã-Hãe

3.1. Conforme visto, a população indígena na Terra Caramuru-Paraguaçu se constituiu a partir de contingentes de origens diversas.

Esses diferentes grupos de início ocuparam distintas faixas de território, mas já estabeleceram de imediato entre si relações de aliança e casamentos, pelo menos entre aqueles que partilhavam a assistência por um mesmo posto, o Caramuru ou o paraguaçu.

Esse processo de amalgamento previsivelmente se intensificou com as restrições territoriais e confinamento decorrentes do progressivo esbulho; e, com o processo de diáspora, diversas das famílias indígenas da área buscaram refúgio conjunto em povoados e cidades próximas - como Itabuna - ou, de modo muito significativo, junto a outros postos indígenas na Bahia - o de Barra Velha, em Porto Seguro, criado em 1971 - e em Minas Gerais, onde se situava a administração regional do órgão indigenista.

Foi a partir dessas áreas de refúgio, em especial aquelas sob administração da Funai, que se organizou, com participação desta, a "retomada" de 1982.

Nesse momento tem início, de modo mais organizado e definido - inclusive com a deflagração do processo judicial que redundaria na ACO 312 - a mobilização interna e externa ao grupo indígena que, por um lado, viria conferir grande visibilidade pública ao caso e, por ou tro, promove o progressivo retorno das famílias indígenas dispersas, que passam a se concentrar, pelo menos até 1997, na única grande área efetivamente sob posse indígena, a ex-fazenda São Lucas, que passara a ser a nova sede do reativado posto Caramuru.

É a partir dessas organização e mobilização que começa a aparecer mais sistematicamente, na documentação oficial, na imprensa e também nos trabalhos acadêmicos, o etnonimo Pataxó Hã-Hã-Hãe com referência a todo o grupo indígena.

De fato, até a década anterior, a esparsa documentação existente refere predominantemente o conjunto da população indígena reunida na Reserva Caramuru-Paraguaçu com expressões genéricas do tipo "índios do Caramuru", ou, bem menos frequentemente, discriminando alguns dos seus segmentos originais.

Ao que se deve então a adoção desse etnonimo específico como designação para todo o grupo, já então nitidamente unido e único em sua organização e em sua demanda pelo resgate do seu território?

Como dito acima, durante o período mais crítico de esbulho e de diáspora, notabilizaram-se dois focos de resistência indígena no interior do seu território, e, nesses, dois personagens emblemáticos. Um deles, Samado Santos, Kariri-Sapuyá de origem, resistiu com sua família, enfrentando pistolagem e repressão do próprio órgão indigenista, no semi inexpugnável vale do Panelão. Outra, Bahetá, era então a única sobrevivente direta dos bandos ainda isolados trazidos à antiga sede do posto Caramuru, junto ao Rio Colônia, na década de 1930. Bahetá jamais arredou pé de junto das ruínas do antigo posto, sobrevivendo basicamente da pesca no rio.

Apesar de ser, já há algumas décadas, a única sobrevivente do seu bando original, Bahetá conservava, naquele início da década de 1980, um surpreendente conheci mento de um léxico relativamente vasto de sua língua original, o que evidentemente se tornou foco do interesse de linguistas e etnólogos.

Como seria de se esperar, Num contexto em que os ocupantes da Terra Indígena e a elite regional, em seguida á "retomada" e ao ingresso da ação judicial de nulidade de títulos, esforçavam-se por desautorizar a identidade dos indígenas recém retornados à sua Terra, a presença da "parente" Bahetá assumiu para estes posição emblemática na afirmação dessa identidade.
Bahetá era de um dos bandos identificados à época do contato como de etnia Pataxó e, segundo ela própria explicou aos pesquisadores seus interlocutores, Hã-Hã-Hãe significa "povo", "gente".

Assim, a adoção do etnÃ?nimo Pataxó Hã-Hã-Hãe por todo o grupo de indígenas da Terra Caramuru-Paraguaçu tem caráter metonímico e emblemático, o que não se pode considerar de modo algu m ilegítimo do ponto de vista socioantropológico.

De fato, conforme dito, já era bastante evidente então a unidade social, política e também étnica desses indígenas, restando-lhes apenas a adoção de uma designação que fosse "reconhecível" como "indígena" pelos seus interlocutores na sociedade nacional.

A figura emblemática de Bahetá decerto jogou papel preponderante nessa escolha; e isso não quer dizer que a maioria dos demais indígenas quisessem se fazer passar pelo que não seriam. Conforme dito, tratou-se de um processo de escolha consciente e com sentido marcadamente emblemático, o que não é incomum em situações etno-históricas semelhantes.

A pronta adoção do etnonimo Pataxó Hã-Hã-Hãe pela mídia, por organismos oficiais e em trabalhos acadêmicos denota que todas essas instâncias, conhecedoras e testemunhas do processo de sua construção, jamais o tomaram de modo algum por ilegítimo.
Os grupos étnicos são unidades sociais de caráter histórico como quaisquer outras e que, enquanto tais, redefinem constantemente os seus limites, de acordo com situações históricas específicas que os constrangem.

Em artigo já clássico sobre o tema das "Expectativas e Possibilidades do Trabalho do Antropólogo em Laudos Periciais", o professor João Pacheco de Oliveira (1994) diz, sobre a continuidade histórica de grupos étnicos indígenas, que "a única continuidade que talvez possa ser possível sustentar é aquela de, recuperando o processo histórico vivido por tal grupo, mostrar como ele refabricou constantemente sua unidade e diferença face a outros grupos com os quais esteve em interação. A existência de algumas categorias nativas de autoidentificação, bem como de práticas interativas exclusivas, servem de algum modo para delimitar o grupo face a outros, ainda que varie substa ntivamente o conteúdo das categorias classificatórias e que a área específica de sociabilidade se modifique bastante, expandindo-se ou contraindo-se em diferentes contextos situacionais."

A construção da categoria étnica Pataxó Hã-Hã-Hãe é pois concomitante ao próprio processo social e histórico de formação e consolidação do segmento étnico que ela designa, sendo, por isso mesmo, marca, testemunho e referência legítimas desse processo e do respectivo segmento social que o protagoniza.

3.1.1. Vale sublinhar que a presença de inovações ou reformulações em designações étnicas indígenas nos contextos de contato entre essas sociedades e as sociedades coloniais nacionais não é exceção, mas sim algo bastante recorrente historicamente.

Como se sabe, o regime colonial frequentemente reuniu em aldeamentos, missionários ou não, contingentes indígenas de origens etnolinguísticas diversas, e os novos agrupamentos sociais assim formados vieram a constituir, ao longo de algum tempo, segmentos étnicos bem distintos de quaisquer unidades sociais anteriores ou mesmo correlatas ao período de contato colonial, sem que tais "novos" grupamentos étnicos deixem de ser reconhecidos como povos indígenas distintos e legítimos no presente.
Dentre os múltiplos exemplos, e ficando apenas no Nordeste, temos os casos dos Kapinawá (Pernambuco), Tapeba (Ceará), Coiupanká (Alagoas), Tuxá (Bahia), dentre muitos outros, todos eles povos indígenas e designações étnicas surgidas apenas após o contato e em decorrência de processos de compulsão colonial, sem registro histórico diretamente correspondente a estes para a fase desse contato ou imediatamente posterior a esta nos períodos colonial, imperial ou mesmo republicano; mas também sem que deixe de ser perfeitamente possível se traçar os processos históricos mais ou menos recentes através dos quais esses agrupamentos étnicos e suas respectivas designações foram gestados.

Em outras situações, esses agrupamentos étnicos ou povos indígenas de conformação neocolonial adotaram designações étnicas associáveis a grupamentos indígenas anteriores ao contato, como é o caso dos Pataxó contemporâneos, vizinhos dos Pataxó Hã-Hã-Hãe imediatamente a Sul, que não são de modo algum formados por esse único grupo étnico digamos, "original", mas sim pelo ajuntamento forçado destes com vários grupos conquistados no Extremo Sul da Bahia em períodos históricos diversos - como Tupi (Tupiniquim), Maxakali e Botocudos), compulsoriamente reunidos em aldeamento único por determinação do governo provincial na segunda metade do século XIX.

Por fim, mesmo povos indígenas bastante conhecidos e de contato mais recente em outras regiões do país - como Xavantes, Timbira e Kayapó - adotam designações étnicas também advindas do contato e que abrangem novas conformações sociais e étnicas que estão muito longe de corresponder exatamente ao que terão sido no momento do contato ou anterior a este; tampouco estando hoje nos mesmos territórios em que estiveram antes do contato ou nos quais se deu tal contato, sem que isso impeça que as Terras que atualmente ocupam sejam legitimamente reconhecidas e regularizadas como Terras "tradicionalmente ocupadas por indígenas", nos termos da Carta constitucional vigente.

3.2. Muito importante sublinhar também, no caso dos Pataxó Hã-Hã-Hãe, que a adoção desse etnÃ?nimo mais abrangente de modo algum fez desaparecerem ou tornou indistintos os diferentes segmentos étnicos que o compõem.

Pelo contrário, como fica sobejamente atestado nos estudos etnológicos e genealógicos sobre o grupo nos últimos trinta anos, inclusive naqueles que são pe ças periciais na ACO 312, os grupos indígenas que, reunidos na Terra Caramuru-Paraguaçu, vieram a formar o povo Pataxó Hã-Hã-Hãe, permanecem perfeitamente distinguíveis em seus laços familiares internos e mesmo em sua organização social e política.

São eles os Kariri-Sapuyá (contingente majoritário), os Kamakã, os Tupinambá oriundos de Olivença (família Muniz), Os Baenã (família Titiá), os Guerém oriundos do antigo aldeamento de São Fidélis (no município de Valença, também uma família discreta), os Pataxó e os Hã-Hã-Hãe (estes dois últimos ainda concentrados na área do antigo posto Caramuru, próximo à cidade de Itaju do Colônia).

Contemporaneamente, cada grupamento familiar dos Pataxó Hã-Hã-Hãe sabe perfeitamente identificar sua filiação a um ou a mais de um desses grupos "originais", e, mais que isso, esses grupos seguem muito vivos e presentes na organização interna d o grupo maior e em seus vínculos de aliança e parentesco.

Deste modo, ao se afirmar Pataxó Hã-Hã-Hãe, um indígena da Terra Caramuru-Paraguaçu não está de modo algum negando sua condição de Kariri-Sapuyá ou Kamakã etc. Pelo

Contrário, as duas afirmações identitárias coexistem e ocupam campos semânticos distintos: ao passo que a afirmação como Pataxó Hã-Hã-Hãe denota o vínculo com o território e com a luta por este; a identificação enquanto Kamakã, Tupinambá, Baenã etc. remete aos vínculos mais estreitos de parentesco, de aliança e organização políticas internas.

Conforme a literatura especializada mais recente sobre o grupo, os Pataxó Hã-Hã-Hãe se referem a esses seus grupos mais chegados de parentesco e aliança - diretamente correspondentes aos diversos segmentos indígenas originalmente reunidos na Reserva - muito significativamente como "famílias étnicas".

Com a e xpansão das áreas de ocupação indígena no interior do seu território tradicional, a partir de 1997, essas "famílias étnicas" se tornaram ainda mais efetivas enquanto eixos de organização interna ao grupo, na medida em que passaram a orientar, de modo muito nítido, as novas configurações territoriais dos Pataxó Hã-Hã-Hãe, com cada uma dessas "famílias" buscando ocupar áreas específicas e sempre que possível correspondentes às que ocupavam quando da implantação da Reserva, nas décadas de 1920 e 1930.
É bastante previsível que, com a esperada reconquista da totalidade do seu território tradicional, as "famílias étnicas" dos Pataxó Hã-Hã-Hãe venham a se tornar ainda mais efetivas política, social e territorialmente, podendo vir a conformar um complexo sistema social a um só tempo único e multiétnico, à semelhança dos que conformam hoje outras unidades territoriais indígenas também únicas e múltiplas etnicamente, como o Alto Xingu, o Alto Rio Negro, o Tumucumaque (Pará) ou o Sertão ocidental de Alagoas.

4. Da Concessão de Títulos de Propriedade Incidentes sobre a Terra Indígena Caramuru-Paraguaçu

4.1. Os títulos de propriedade emitidos pelo estado da Bahia entre 1976 e 1982 sobre o território da Reserva Indígena Caramuru-Paraguaçu foram todos concedidos a ex-arrendatários do SPI ou a seus sucessores.

Isso demonstra que tais arrendamentos foram a origem dos apossamentos assim titulados.

4.2. Apesar de sua omissão e das evidências de negligência e corrupção de servidores seus, a União, através do SPI e da Funai, jamais deixou de considerar e reconhecer formalmente a área em questão como Terra Indígena e como sua propriedade, ainda que tenha tardado por quase seis anos entre o início da concessão de títulos pelo estado (1976) e o ingresso de ação pela sua nu lidade e interrupção do processo (1982).
4.3. Do mesmo modo, apesar dos arrendamentos de Terras Indígenas terem se tornado ilegais a partir da Lei 6001 de 1973, a Funai não adotou de imediato as providências necessárias para cancelá-los no território da Reserva Caramuru-Paraguaçu, só o fazendo nove anos após, em 1982, juntamente com o ingresso da ação pela nulidade de títulos.

4.4. A Reserva Indígena Caramuru-Paraguaçu jamais foi desconstituída por documento legal equivalente ou superior ao que a criou, a Lei estadual de 1926.
Ao contrário, para conceder os títulos o estado baseou-se apenas em "pareceres" e "relatórios" que atestavam, de modo absolutamente fraudulento e preconceituoso, que no território em questão "não havia mais índios".

4.5. Apesar do processo de esbulho possessório que culminou justamente em meados da década de 1970, jamais deixou de haver presença e posses indígenas no território da Reserva; e jamais os indígenas dela expulsos deixaram de manter o seu ânimo possessório sobre esse território, tanto que se mantiveram organizados e em comunicação entre si durante o período de diáspora, sempre na intenção de retorno ao seu território e demandando do órgão indigenista providências e apoio nesse sentido, o que enfim se efetivou em 1982.

5. Síntese e Conclusão

5.1. A Terra Indígena hoje designada Caramuru-Paraguaçu tem existência legal contínua e ininterrupta desde sua criação por Lei Estadual de 1926 e dentro dos limites circunscritos pela sua demarcação física em 1936; mantendo, ao longo de toda a sua existência, o seu caráter de área destinada "ao gozo de indígenas"; e devendo, nessa condição, ser reconhecida como "área reservada" a indígenas, nos termos e a partir da Lei 6001 de 1973; e também como "terra tradicionalmente ocupada por índios" nos termos da Constituição de 1988.

5.2. O caráter legal da sua criação, por destinação pelo estado e com finalidades específicas, prescindia da caracterização do território assim destinado como terras "em que indígenas se achem permanentemente localizados", figura legal que só aparece a partir da Constituição de 1934.

5.3. Entretanto, é perfeitamente possível se demonstrar historicamente que a área de 50 léguas quadradas assim destinada, embora sem limites totalmente precisos então, era à época palco de processo de expansão da lavoura cacaueira, que afugentava e dizimava bandos indígenas ainda isolados, localizados aí e no seu entorno.

5.4. Ao implantar a Reserva, o estado nacional executou aí a prática, recorrente desde os primórdios do período colonial e ainda vigente em décadas posteriores do século XX, de para tais áreas previamente destinadas a indígenas atrair ou transladar grupos indígenas até então localizados em seus arredores.

5.4. Essa circunstância não impede entretanto que, uma vez aí consolidada uma presença indígena estável, o que já era perfeitamente caracterizado na década de 1930, uma tal área possa e deva ser também considerada como "terra habitada por silvícolas", com direito à sua "posse permanente", nos termos da Constituição de 1967 e de sua Emenda nº 1 de 1969; ou como "terra tradicionalmente ocupada por índios", nos termos da Constituição de 1988, e sempre em conformidade com o princípio constitucional consagrado desde 1934.

5.5. O caráter parcial da posse indígena sobre a totalidade desse território se deve de início à prática de arrendamentos a terceiros - admitida até a sua interdição legal em 1973 - mas também ao progressivo processo ilegítimo de esbulho violento aí praticado contra a presença e posse indígenas, entre as décadas de 1930 e 1970.

Como o esbulho não configura direito por parte dos seus autores e os arrendamentos haviam sido tornado ilegais, se deve admitir o direito de posse indígena integral sobre todo esse território quando da promulgação da Constituição de 1988.

5.6. De origens etno-linguística e históricas bastante diversas, os grupos indígenas reunidos na Terra Caramuru-Paraguaçu foram amalgamados e politicamente unificados em um grupo étnico único e específico - o povo indígena Pataxó Hã-Hã-Hãe - já publicamente identificável e reconhecido nos anos iniciais da década de 1980.
5.6. Ao se remontar historicamente a presença indígena na Terra Caramuru-Paraguaçu, não se deve buscar a continuidade de um segmento ou segmentos étnico(s) discreto(s) e permanente(s), mas sim a compreensão dos processos societários de amalgamento, fusão e inclusão através dos quais esses grupamentos originalmen te diversos produziram e reproduziram, ao longo de sua história recente, tanto a sua nova unidade quanto a sua diversidade étnicas.
5.7. Imprescindível sublinhar que toda a atual população indígena na Terra Caramuru-Paraguaçu está genealogicamente conectada, por descendência direta, a membros de algum ou alguns dos grupos indígenas aí reunidos nas décadas de 1920 e 1930, conforme sobejamente demonstrado nos detalhados estudos realizados; independentemente das diferentes designações étnicas pelas quais esses grupos foram reconhecidos ou que adotaram ao longo dessa história.

5.8. Face ao exposto, não há como não se ajuizar pela nulidade dos títulos de propriedade outorgados pelo estado da Bahia incidentes sobre a Terra Indígena Caramuru-Paraguaçu.

Brasília, 18 de outubro de 2011.

Associação Brasileira de Antropologia
Associação Nacional de Ação Indigenista
Conselho Indigenista Missionário