quarta-feira, 31 de outubro de 2012

STF adia julgamento que pode afetar demarcação de Terras Indígenas




Uma discussão sobre a proibição do amianto dominou totalmente a sessão plenária do Supremo Tribunal Federal (STF) de hoje e o julgamento dos embargos de declaração às condicionantes de Raposa Serra do Sol ficou para outra oportunidade. A decisão do STF sobre o tema pode incidir diretamente nas demarcações de terras indígenas. Saiba mais sobre o assunto aqui.

A APIB permanece vigilante na defesa dos direitos de todos os Povos Indígenas. Estamos de olho no STF. 

Acompanhem-nos no twitter - @APIB_BR e usem #terrasindigenas.

Supremo Tribunal Federal decide destino da demarcação de Terras Indígenas nesta quarta



Decisão dos ministros poderá afetar todas as Terras Indígenas do Brasil

por Gustavo Macedo


Não é exagero afirmar que o destino da demarcação de terras indígenas no Brasil -  uma das principais razões da violência no campo promovida pelos latifundiários e do sofrimento de milhares de famílias - está nas mãos de um julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), previsto para a tarde desta quarta, dia 31 de outubro.

O assunto em questão são os chamados embargos de declaração, termo jurídico para pedidos de esclarecimentos com o objetivo de eliminar obscuridade, omissão ou contradição e dúvida em sentenças já julgadas, no caso, oito das 19 condições impostas pelo STF durante o processo que garantiu a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol em 2009.

Em julho deste ano, o governo brasileiro, por meio da Advocacia Geral da União (AGU), tentou estender essas condições a todas as demais terras indígenas do país, com a publicação da Portaria 303, que  regulamenta  a atuação de todos os advogados públicos, incluídos os procuradores federais.

O que o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e o Ministro da AGU, Luiz Inácio Adams, tentaram retratar como uma mera decisão administrativa com o intuito de evitar a judicialização futura dos processos de demarcação, pode significar não somente a paralisação, mas também a revisão de demarcações já concluídas, que não se adequem às condicionantes do STF.  

Na prática, a portaria prevê que o governo pode intervir nas terras indígenas sem a necessidade de consultas às comunidades envolvidas ou à Fundação Nacional do Índio (FUNAI), o que desrespeita a Constituição e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), acordo internacional do qual o Brasil é signatário e, portanto, tem poder de lei.  

Desta forma fica permitido, sem qualquer consulta aos principais afetados, a instalação de unidades ou postos militares; estradas ou ferrovias; a exploração de alternativas energéticas - hidrelétricas, termelétricas, usinas nucleares, entre outros -  e o resguardo das “riquezas de cunho estratégico” para o país – minerais ou vegetais, por exemplo. 

Esta iniciativa do Governo Dilma Rousseff atende diretamente às demandas do setor ruralista e do agronegócio, representados por uma bancada forte e muito influente no Congresso Nacional, cujo apoio é fundamental para a aprovação de projetos de interesse do Executivo. Há, inclusive, informações divulgadas pela imprensa de Mato Grosso do Sul sobre reuniões entre o Ministro da Justiça e representantes de organizações ruralistas no final de 2011. Também foram noticiadas reuniões entre a AGU e a Confederação Nacional de Agricultura (CNA) onde, supostamente, teriam sido negociados os termos da Portaria 303, meses antes da publicação.

A Advocacia Geral da União (AGU) aproveitou uma brecha jurídica, e usando como justificativa a obediência a uma decisão do STF, editou a medida que flexibiliza, mesmo que inconstitucionalmente, a demarcação das terras indígenas. O que acontece é que a interpretação da AGU, na realidade, contraria a decisão do Supremo Tribunal Federal. 

O ministro Carlos Ayres Brito, atual presidente do Supremo e relator do processo de Raposa Serra do Sol, confirmou, em uma reunião com lideranças indígenas da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), que as condicionantes se aplicam somente àquela terra indígena e não podem ser estendidas a outros territórios. Saiba mais aqui. 

O mesmo argumento é defendido por organizações indígenas e indigenistas, acadêmicos  e renomados juristas, entre eles, Dalmo Dallari, um dos principais teóricos do sistema judicial brasileiro.

Logo após a divulgação junto às bases do movimento indígena e a sociedade civil sobre o real significado por trás da publicação da Portaria 303 da AGU, as mobilizações eclodiram por todo o país. De norte a sul, lideranças indígenas e  ativistas ocuparam rodovias e saíram às ruas pedindo a revogação da medida. Desde então, diversas delegações indígenas se revezaram entre visitas à Brasília e reuniões com autoridades federais, acompanhadas por representantes da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e organizações indigenistas parceiras. 


A intensa pressão movida pelo movimento indígena e a opinião pública levaram o governo a suspender a Portaria 303 até o julgamento dos embargos de declaração às condicionantes de Raposa Serra do Sol, que finalmente foi marcado pelo STF para hoje. A Portaria 303 volta vigorar  um dia após a decisão judicial, ou seja, caso o STF chegue a um consenso, uma das maiores ameaças às terras indígenas pode retornar com força total nos próximos dias.

O julgamento do STF poderá esclarecer a quais terras indígenas se aplicam,  modificar ou até mesmo anular algumas das condicionantes. Mas isso não é suficiente. É necessário que se fortaleça a luta pela revogação total e irrestrita da Portaria da AGU, que viola, na essência, os direitos indígenas tão arduamente conquistados na Constituição Federal de 88.

AJUDE-NOS A DIVULGAR!!!!! O compartilhamento dessas informações e as manifestações em frente à sede do STF, em Brasília, e nas redes sociais farão parte das estratégias para evitar a usurpação de nossas riquezas naturais, protegidas há séculos pelos indígenas.

A sobrevivência dos povos indígenas está ligada à terra! Demarcação Já!

Twittaço a partir das 14hs com #terrasindigenas

Vamos prestar nossa solidariedade a todos os Povos Indígenas do Brasil!

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Suspenso o despejo da comunidade Guarani Kaiowá de Pyelito Kue



Durante a reunião do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), presidida pela ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário Nunes, e que contou com a participação de representantes de diversas áreas do Poder Executivo, da presidente da Fundação Nacional do Indio (FUNAI), Marta Azevedo, e também do Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, foi anunciada a suspensão do despejo das famílias Guarani Kaiowá da comunidade de Pyelito Kue, em Mato Grosso do Sul.

A Justiça acatou o recurso apresentado pela  FUNAI contra a liminar que determinava o despejo dos indígenas. Apesar da decisão favorável, o juiz determinou que os Guarani Kaiowá devem permanecer em uma área de um hectare, o equivalmente a 10000 m2, até que a FUNAI finalize todo o processo de demarcação da Terra Indígena.

Antes de anunciar a decisão, o Ministro da Justiça também afirmou que o governo irá reforçar a segurança na região e que, no prazo de um mês, devem ser concluídos todos os estudos necessários à demarcação de Pyelito Kue.

Para o integrante da Aty Guasu (Grande Assembléia Guarani Kaiowá) e membro da direção nacional da APIB, Otoniel Ricardo, esta notícia traz um certo alívio para o Povo Guarani Kaiowá, mas é necessário continuar com a luta pois ainda existem muitas ameças em diversa outras regiões do Mato Grosso Sul e do Brasil. " Enquanto todas as terras indígenas não forem demarcadas, não haverá paz para nós".

Há ainda a preocupação da própria comunidade de Pyelito Kue diante de possíveis represálias dos pistoleiros após a suspensão do despejo. Vamos aguardar para ver se, desta vez, o governo cumpre a promessa de reforçar a segurança dos indígenas de MS.
por Gustavo Macedo

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Manifesto: Não à exploração predatória dos territórios e a violação dos direitos indígenas

APIB se posiciona contra o PL 1610/96, que “dispõe sobre o aproveitamento de recursos minerais em terras indígenas”


A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB, diante da iminência de ser colocado em votação o substitutivo de autoria do Deputado Édio Lopes, do PMDB de Roraima, ao PL 1610/96, que dispõe sobre a mineração em terras indígenas, vem a público manifestar o seu repúdio a mais este ato de grave ameaça e restrição aos direitos dos povos indígenas, assegurados pela Constituição Federal, a Convenção 169 da OIT e a Declaração da ONU sobre os direitos dos Povos Indígenas.

A APIB entende que a tentativa de aprovar o PL 1610 faz parte da seqüência de golpes promovidos e aplicados pelo atual governo e sua base aliada contra os direitos indígenas, por meio de uma série de medidas administrativas, jurídicas e legislativas que tem, em comum, o propósito de inviabilizar a demarcação de terras indígenas, reverter procedimentos em curso e disponibilizar os territórios indígenas e suas riquezas à voracidade do capital nacional e transnacional. É esse o contexto das mudanças patrocinadas pela bancada ruralista no Código Florestal e da série de Decretos e Portarias voltadas a flexibilizar a legislação que ampara os povos indígenas, os quilombolas e as áreas de unidades de conservação. Fazem parte destas medidas as seguintes Portarias:
- Portaria 2498/2011 que objetiva a participação dos entes federados no processo de identificação e delimitação de terras indígenas;
- Portaria 419/2011, que regulamenta a atuação da FUNAI, em prazo irrisório, nos processos de licenciamento ambiental de empreendimentos do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC (hidrelétricas, mineração, portos, hidrovias, rodovias, linhas de transmissão etc.);
- Portaria 303 / 2012, que se propõe “normatizar” a atuação dos órgãos jurídicos da Administração Pública Federal direta e indireta em relação às salvaguardas institucionais às terras indígenas. Atendendo o anseio dos latifundiários e do agronegócio, a Portaria, na verdade, busca estender para todas as terras indígenas as condicionantes decididas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Judicial contra a Terra Indígena Raposa Serra do Sol (Petição 3.888-Roraima/STF). O Governo editou a Portaria mesmo sabendo que a decisão do STF ainda não transitou em julgado e estas condicionantes podem sofrer modificações ou até mesmo serem afastadas. A Portaria afirma que as terras indígenas podem ser ocupadas por unidades, postos e demais intervenções militares, malhas viárias, empreendimentos hidrelétricos e minerais de cunho estratégico, sem consulta aos povos e comunidades indígenas; determina a revisão das demarcações em curso ou já demarcadas que não estiverem de acordo com o que o STF decidiu para o caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol; ataca a autonomia dos povos indígenas sobre os seus territórios; limita e relativiza o direito dos povos indígenas sobre o usufruto exclusivo das riquezas naturais existentes nas terras indígenas; transfere para o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO) o controle de terras indígenas, sobre as quais indevida e ilegalmente foram sobrepostas Unidades de Conservação; e cria problemas para a revisão de limites de terras indígenas demarcadas, que não observaram integralmente o direito indígena sobre a ocupação tradicional.
O substitutivo ao PL 1.610/96 é consoante com todas estas medidas, reforçadas pelas PEC 038 e 215, em avançado processo de tramitação no Senado Federal e Câmara dos Deputados, respectivamente. Tais medidas são uma série de procedimentos jurídicos e legislativos que compõem um mosaico de leis e feitos governamentais que flexibilizam a exploração predatória do solo e do subsolo nacional, do qual fazem parte os territórios indígenas.
Os defensores do Projeto da mineração em terras indígenas alegam que o Brasil precisa crescer e se desenvolver. O mesmo relator, deputado Édio Lopes, disse que “o objetivo é que o País possa explorar os minérios e enormes jazidas que estão no subsolo das terras indígenas, ao mesmo tempo em que sejam garantidos os direitos dos povos das áreas envolvidas”. O texto do substitutivo, porém, é declaradamente uma peça enganosa e de retaliação dos direitos indígenas garantidos pela Constituição Federal e a Convenção 169. O texto se preocupa apenas, de forma escandalosa, em disponibilizar as terras indígenas e seus potenciais ao capital financeiro-especulativo, principalmente minerador. Daí, a manobra de desburocratizar a autorização da pesquisa e lavra mineral em terras indígenas, com fartas facilidades e condições que permitem o lucro fácil e avolumado das empresas envolvidas.
Em razão disto, o deputado, entre outros estragos, ignora as salvaguardas ambientais, socioculturais e espirituais estabelecidas pela proposta do Estatuto negociado com o Governo no âmbito da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI); cria as condições para a corrida descontrolada, da grande mineração, pelo ouro nos territórios indígenas; decreta o ataque aos povos indígenas isolados ou de pouco contato, ao submeter o seu destino aos princípios da segurança nacional; relativiza ou afasta de forma ridícula a participação do Ministério Público Federal do seu papel de proteger os direitos indígenas; enterra a autonomia dos povos indígenas, ao submeter a sua decisão de não querer mineração à deliberação de um comissão governamental deliberativa que deverá dizer qual é a melhor proposta para as comunidades, ressuscitando dessa forma o indigenismo tutelar, paternalista e autoritário. Enfim, minimiza o alcance do direito de consulta estabelecido pela Convenção 169 da OIT;

A propósito da consulta, o parlamentar faz eco à intenção de setores do governo que querem reduzir este direito à simples aprovação da instalação de empreendimentos nos territórios indígenas. A Convenção 169, porém, estabelece o direito de consulta e consentimento livre prévio e informado, mas também o direito dos povos indígenas a escolherem as suas prioridades de desenvolvimento econômico, social e cultural, e a participarem do processo de formulação, aplicação e avaliação dos programas de desenvolvimento regional e nacional, perspectiva esta que está longe de ser contemplada pelo substitutivo em questão e outras iniciativas de autoria do Executivo.

Fica, assim, evidente que para a bancada do minério e de setores do governo afins, os territórios indígenas, as unidades de conservação e as terras dos quilombolas são a última fronteira de expansão do capital e dos propósitos de fazer crescer o país a qualquer custo, na perspectiva da reprimarização da economia, de fazer do Brasil um país exportador de matéria-prima barata, dentre as quais estão os minérios, sem se importar com a pobreza e desgraças que ficam para trás. Mesmo assim, o governo pressupõe que com os recursos que virão da participação nos resultados econômicos gerados pela mineração, através dos royalties, poderá oferecer melhores condições de vida às populações afetadas. Balela!

A APIB considera que se as intenções do governo não fossem direcionadas para esta perspectiva, ele não teria medido esforços para cumprir os acordos negociados com o movimento indígena desde que foi instalada a CNPI em 2007. Primeiro, de que a matéria da mineração seria só tratada como parte do Projeto do Estatuto dos Povos Indígenas, cujo conteúdo foi amplamente discutido em seminários regionais, no plenário da CNPI e no Acampamento Terra Livre de 2009. Em segundo, de que o governo, por meio do Ministério da Justiça, asseguraria um processo de diálogo com a Presidência da Câmara dos Deputados para pautar esta matéria tendo como base o substitutivo do Estatuto (PL 2.057/1991) e as propostas discutidas na CNPI.

Não entanto, causou estranheza o fato de o governo priorizou a reinstalação de uma Comissão Especial para discutir em separado a mineração em terras indígenas, acarretando, no momento, um clima de apreensão e tensionamento que só agrava a insegurança jurídica e social já instalada nos territórios indígenas por conta da Portaria 303.

A APIB denuncia: mais uma vez, os povos indígenas tem que pagar o custo da governança e da troca de favores que o governo faz com sua base de sustentação, que reúne senadores e deputados do PMDB, PR e PDT, entre outras siglas partidárias, envolvidos direta ou indiretamente com empreendimentos minerários. Fazem parte dessa lista, entre outros nomes, o ministro das Minas e Energia, Edson Lobão e o Senador Romero Jucá, autor da proposta original do PL 1610. Ambas as autoridades tem filho e filha, respectivamente,  em empresas de mineração.

Contudo, aos povos e comunidades indígenas a mineração em seus territórios é apresentada como a solução de todos os seus problemas e precariedades, pois as empresas disponibilizarão, além da inexpressiva participação nos seus lucros – o que não é dito! -, medidas compensatórias como benefícios nas áreas da saúde e educação, que levam a ignorar os impactos de hoje, mas não, com o  passar do tempo, as desgraças que ficarão para as gerações futuras.

É sabido, e nem o governo e a sua base parlamentar provam o contrário, que em lugar nenhum do mundo a mineração deixou de impactar, deixando para trás lastros de degradação ambiental, miséria e problemas sociais. Pois não poderia ser outro o resultado das grandes estruturas essenciais para seu funcionamento: grandes minas, ferrovias, estradas, parques industriais, minerodutos, migração de conglomerados humanos. Grande, média ou pequena, mecanizada ou artesanal, a mineração faz estragos de qualquer jeito, afetando áreas primordiais para os ecossistemas, como topos de morros, margens de rios, lagos, igarapés, lençóis freáticos e nichos de biodiversidade. Sem falar dos locais históricos, religiosos e sagrados (cemitérios, áreas de ritual) que fazem parte da relação espiritual que os povos indígenas mantêm com o seu território; e dos impactos e conflitos sociais decorrentes da presença de população não indígena: desagregação sociocultural, prostituição, alcoolismo, drogas, violências e outros impactos sociais e ambientais, subdesenvolvimento e degradação, direcionados ou  distribuídos diabólica e  desigualmente para atingir as classes menos favorecidas, entre elas os povos indígenas. Já para as empresas de mineração e demais envolvidos sobra a concentração dos lucros exorbitantes.

Que os povos e organizações indígenas não se iludam. As poucas migalhas advindas dos royalties ou de programas sociais e ambientais são na verdade paliativos, mecanismos para minimizar os violentos impactos, no futuro insanáveis, produzidos pelos empreendimentos, que incluem as hidrelétricas, obras fundamentais para os projetos de instalação de indústrias de transformação mineral. Tenham certeza, a mineração pode gerar crescimento econômico para o pais e muito lucro para as empresas nacionais ou transnacionais, mas jamais desenvolvimento condigno, bem-estar social e qualidade de vida para as populações locais.

Já se o governo federal acredita e aposta num outro modelo de desenvolvimento e numa outra lógica de exploração dos recursos naturais, hídricos e mineras do país, tem a obrigação, na atual conjuntura, de inviabilizar a aprovação do PL 1.610, somando enquanto dito governo democrático e popular na quebra de velhos paradigmas, em busca de outra sociedade menos materialmente consumista, socialmente excludente, ambientalmente devastadora e, sobretudo, menos anti-indígena, ou seja, tolerante e respeitosa  com a diversidade étnica e cultural do país, que atinge mais de 305 povos indígenas diferentes, conforme último levantamento do IBGE. Deve ainda, se movimentar para tornar realidade os compromissos assumidos com o movimento indígena, priorizando a aprovação do Estatuto dos Povos Indígenas e outras iniciativas legislativas de interesse dos povos indígenas como o PL que cria o Conselho Nacional de Política Indigenista, inviabilizando, ainda, projetos e PECs destinados a restringir ou reverter os direitos indígenas garantidos pela Constituição Federal de 1988. A informação de que o governo prepara um novo marco regulatório para a mineração no país, é um motivo para impedir a aprovação do PL 1.610, que busca não só legalizar esta atividade, mas, sobretudo, programar a desagregação e descaracterização sociocultural dos povos indígenas.

Aos povos e organizações indígenas, APIB alerta para a tentativa de setores do governo de amenizar os impactos de todas as medidas administrativas, jurídicas e legislativas em curso.  Informa, ainda, que a comissão especial que discute a matéria é composta por parlamentares cuja maioria tem apresentado requerimentos e iniciativas legislativas de interesse do governo, contrárias à demarcação das terras indígenas e voltadas a regulamentar a mineração em terras indígenas. O próprio relator, deputado Édio Lopes, entre outras propostas, já apresentou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC-117/2007, apensada à PEC 215/2000) que dá nova redação ao artigo 231, da Constituição Federal. A proposta “estabelece a competência da União para demarcar as terras indígenas através de lei. Altera a Constituição Federal de 1988, dizendo que: “As demarcações, pela sua complexidade, efeitos e três resultados, com reflexos políticos, sociais e econômicos, não podem, na verdade, passar ao largo do Congresso Nacional." Segundo nosso entendimento, o Senado Federal e a Câmara dos Deputados, que compõem o Congresso Nacional, têm competência e legitimidade para examinar, debater e votar matéria de tal relevância, além do que seus membros são, respectivamente, os legítimos representantes dos Estados e da sociedade brasileira, que os elegeu.  É necessário, pois, que seja alterada a redação do caput do artigo 231, de forma que as terras indígenas sejam demarcadas por lei, pois, assim, essas questões passarão pelo crivo do Congresso Nacional, onde serão examinadas."

A APIB chama os povos e organizações indígenas e seus aliados a reforçarem a luta pela garantia dos seus direitos especialmente territoriais reconhecidos pela Constituição Federal e tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, e que vergonhosamente ignora em prol dos interesses do capital e do modelo neodesenvolvimentista que escolheu para se firmar como hegemônico na comunidade internacional.

Brasília – DF, 23 de outubro de 2012.

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil - APIB

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Indígenas são atacados por pistoleiros em Potrero Guasu, no MS

As famílias Guarani que retomaram 2 mil hectares do tekohá - terra sagrada - Potrero Guasu no último sábado, 13, estão, desde o fim da tarde desta quinta-feira, 18, sob novo ataque de pistoleiros. O território fica no município de Paranhos, Mato Grosso do Sul, na divisa com o Paraguai.

Segundo relato de indígenas que estão no local, a ação dos pistoleiros começou ontem, 17, quando homens armados invadiram o acampamento, atirando para o alto. Enquanto os indígenas corriam do local, os pistoleiros levaram os pertences das famílias e atearam fogo em todos os barracos.

Hoje, pela manhã, quando as famílias voltaram ao acampamento para reconstruí-lo, um grupo de pistoleiros apareceu.

"Houve conflito com os pistoleiros", relata o Guarani
Ava Quarary. "Eles chegaram cheio de arma. Nós não temos nenhuma. Na correria um [pistoleiro] ficou e nós conseguimos segurar. Chamamos a Força Nacional e entregamos ele".

Segundo Quarary, ninguém ficou ferido. O problema foi quando a Força Nacional deixou o local e os pistoleiros voltaram à área retomada.

"Agora estamos em frente aos pistoleiros armados. Estamos frente a frente do pistoleiro. Eles estão pocurando as lideranças. Elas estão escondidas porque eles está querendo pegar". De acordo com Quarary, cerca de 20 pistoleiros estão no local. Há poucos metros, cerca de 50 adultos com suas crianças permanecem no local.

"A gente vai ficar acordado em frente aos pistoleiros. Vamos ficar fazendo a segurança. Sabemos que pode acontecer alguma coisa".

Os indígenas temem um ataque à comunidade durante a noite e demandam o retorno imediato da Força Nacional ao local.

Para contatos com a comunidade e outras informações:
 
Flávio Machado - Coordenador do Cimi MS (67) 9981.9534
Ruy Sposati – Assessor de Comunicação do Cimi MS (61) 9854.3306


Fonte: Assessoria de Comunicação -  Conselho Indigenista Missionário (CIMI)

Lideranças Guarani e Kaiowá de MS divulgam relatório sobre situação de comunidade indígena ameaçada de despejo

A Grande Assembléia Guarani e Kaiowá (Aty Guasu) divulgou relatório sobre a recente visita de lideranças à tekoha Passo Piraju, próximo a Dourados, no Mato Grosso do Sul.  O documento relata o clima de terror enfrentado pelas famílias, frente à possibilidade de perderem suas terras, atendendo a uma ordem da Justiça.  Enquanto o Povo Guarani Kaiowá tenta reverter a decisão judicial, as famílias que vivem na região garantem que irão resistir até a morte. Saiba mais sobre o assunto aqui.


Leia abaixo a íntegra do relatório da Aty Guasu:


LUTA PELA VIDA E CONTRA ETNOCÍDIO/GENOCÍDIO DOS POVOS INDÍGENAS

Este relatório é da comissão de lideranças da Aty Guasu Guarani e Kaiowá, resultante de levantamento in loco da situação atual da comunidade indígena Guarani-Kaiowá da tekoha Passo Piraju-Dourados-MS. O levantamento in loco foi realizado no dia 16 de outubro de 2012.

Nós da comissão da Aty Guasu, a mando de 5.000 Guarani e Kaiowá articulados do território em conflito do cone sul de MS, no dia 16 de outubro de 2012, fomos à tekoha Passo Piraju, participamos da reunião da comunidade de Passo Piraju, ouvimos e observamos diretamente a situação, posição e, sobretudo, a decisão da comunidade frente à ordem de despejo da Justiça Federal da TRF 3 São Paulo-S.P.

Em primeiro lugar, constatamos que, desde 08 de outubro de 2012, após receber a notícia que será despejada do lugar, a comunidade Guarani-Kaiowá de Passo Piraju se encontram em estado de pânico, perplexo e desespero total. Alguns rezadores ñanderu ou líderes espirituais já foram acionados para diminuir os desesperos e medo das crianças e adolescentes, ao mesmo tempo, os rezadores buscam a indicar alguma decisão possível dos adultos guarani-kaiowá diante da ordem de expulsão. Uma das decisões definitiva anunciada na reunião pela comunidade Passo Piraju é não sair do lugar, é resistir e morrer todos juntos. Esta decisão foi repetida, em coro, várias vezes pela comunidade.

“Nós não vamos sair daqui! nós vamos morrer todos junto aqui!. Na beira da estrada não vamos voltar mais viver! por isso vamos morrer todos junto aqui mesmo!”. Ao falar essa frase várias mulheres e moças indígenas choram sem parar. Por último, a comunidade de Passo Piraju pediu a visitação e vinda de vários rezadores e integrantes de outras comunidades indígenas do cone sul de Mato Grosso do Sul. Por fim, constatamos várias estruturas construídas pelo Governo Municipal, Estadual e Federal no interior da tekoha Passo Piraju-Dourados-MS
A comunidade de Passo Piraju informou que, apesar de pequena área onde moram mais de 400 indígenas, ali não há violência entre eles, todos convivem em harmonia e paz. Todos se alimentam bem diariamente, não há crianças desnutridas.

“Aqui no Passo Piraju, nós estamos bem felizes, já faz dez anos que superamos a miséria e fome em que vivíamos na beira da estrada despejada”.

“No passado recente, vivemos vários anos na beira da estrada com muito sofrimento e fome, onde nossas crianças passavam fome e doentes, muitas crianças morreram lá, por isso nós não queremos mais retornar a viver na beira da estrada, preferimos a morte que voltar na beira da estrada. Entendemos que o Governo Federal construiu para nós escola, caixa da agua, posto saúde, assim está ajudando nós para sobreviver, enquanto a justiça federal vai mandar nos levar jogar na beira da estrada.”

 “Parece que a Justiça do Brasil só que ver o sofrimento e morte dos índios na beira da estrada. Será que essa é justiça de verdade?”

Dessa forma, tristemente, a comunidade lembrou-se da miséria e fome vivida na beira da estrada, que de fato não quer nem imaginar e nem mais retornar ao passado sofrido e preferem a morte coletiva. Uma vez que na tekoha Passo Piraju, visivelmente, a comunidade sofrida e violentada, em parte está superando essa vida traumatizada e miserável narrada.

 De fato, para todos nós Guarani e Kaiowá, esse tipo de decisão de despejo deferido pela Justiça é violência que gera miséria e morte/extermínio dos indígenas, por essa razão, nós comissão de lideranças da Aty Guasu pedimos a revogação imediata da ordem de despejo da comunidade de Passo Piraju-Dourados-MS.

Atenciosamente,

Tekoha Passo Piraju, 16 de outubro de 2012.
Comissão de lideranças da Aty Guasu

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

NOTA DO CONSELHO DA ATY GUASU PARA GOVERNO E JUSTIÇA FEDERAL


Esta nota das lideranças da Aty Guasu Guarani e Kaiowá objetiva apresentar a história de início da luta árdua do povo Guarani e Kaiowá pela recuperação, demarcação e regularização de territórios tradicionais tekoha guasu, destacando as ações do Governo de Ditadura Militar (1980) e do Governo Democrático do Brasil (desde 1986-2012) e as ações da Justiça Federal frente às reivindicações antigas do povo Guarani e Kaiowá que perdura até hoje. Trata-se, nesse sentido, de descrever as ações cruéis diversas históricas praticadas equivocadamente contra a vida dos Guarani e Kaiowá tanto pelo Governo do Brasil quanto pela Justiça Federal, fato ocorrido nos últimos 50 anos.
Inicialmente, destacamos que a reivindicação e luta pela demarcação de territórios Guarani e Kaiowá começou intensamente a partir da década de 1960, no período de regime da ditadura militar. Assim, a luta Guarani e Kaiowá para permanecer assentados nos territórios tradicionais desencadeou frente ao processo de expropriação e expulsão dos Guarani e Kaiowá de seus territórios tradicionais, portanto, essa luta indígena pela demarcação dos territórios tradicionais é histórica e antiga.

No início da década de 1950, o processo de colonização do sul do atual Estado do Mato Grosso do Sul se intensificou rapidamente e inúmeras comunidades Guarani e Kaiowá foram expropriadas e expulsas de seus territórios antigos a partir da atuação conjunta de fazendeiros recém-chegados e funcionários do primeiro órgão indigenista oficial (Serviço de Proteção aos Índios) vinculada ao Governo Militar. O conjunto dessas comunidades indígenas foi transferido ou “confinado” para a Reserva/Posto Indígena criado pelo Governo Militar através do Serviço de Proteção aos Índios (SPI).  Entre 1915 e 1928 foram criados oito Postos Indígenas (P.I.s) no atual estado do Mato Grosso do Sul entre os Guarani e os Kaiowá. São eles os P.I.s de Dourados; Caarapó; Pirajuí, Sassoró; Porto Lindo; Taquapiri; Limão Verde; Amambai

As narrações dos indígenas idosos (as) repassadas para a nova geração Guarani e Kaiowá evidenciam que várias argumentações e táticas violentas foram postas em prática no momento de chegada dos agentes do Governo Militar e fazendeiros e na sequencia passaram a praticar aexpropriação e expulsão dos Guarani e Kaiowá de seus territórios tradicionais. Estes atos de expropriação, expulsão desvinculação dos indígenas de seus territórios são compreendidos e definidos pelas lideranças indígenas como uma das violências irreparáveis. Uma vez que a expulsão e tentativa de desligamento Guarani e Kaiowá de seu território antigo ocorreram com violências variadas e sem motivo e sem explicação nenhuma, sobretudo não há justificativa consistente do ponto de vista indígena para abandonar os seus antepassados e se desligar dos seus territórios tradicionais. Por essa razão fundamental, várias comunidades Guarani e Kaiowá inconformadas e constrangidas já lutaram, ainda lutam e lutarão reiteradamente pela recuperação desses territórios antigos. Assim a expropriação e expulsão violenta dos indígenas são definidas como ameaça de morte coletiva, cultural e física (etnocídio/genocídio). Além disso, o despejo e expulsão dos indígenas dos seus territórios tradicionais geram a vida instável, suicídio epidêmico e constrangimento profundo ao modo de ser e viver indígenas. De modo similar, outra violência que está levando a extinção cultural e física do povo Guarani e Kaiowá é a tentativa de “confinamento” na pequena área e transferência compulsória das famílias indígenas para os Postos Indígenas do Serviço de Proteção aos Índios. 

Em resumo, importa destacar que na década de 1960 a prática de expulsão/despejo dos indígenas dos seus territórios foi iniciada pelos jagunços/pistoleiros dos fazendeiros apoiados pelos agentes do Serviço Proteção aos Índios. Nas décadas de 1970 e 1980, as expulsões Guarani e Kaiowá dos seus territórios foram autorizadas pela própria Justiça Federal que perdura até os dias de hoje. Por exemplo, no último mês, Justiça Federal de Navirai-MS expediu a ordem de despejo da comunidade Guarani e kaiowá de Pyelito Kue-Iguatemi-MS. De modo igual, um juiz federal de São Paulo-SP, assinou o despejo da comunidade Passo Piraju-Dourados-MS. O teor da justificativa dos juízes federais para despejar a comunidade Guarani e Kaiowá é muito estranho/ esquisitos, não procede cientificamente, só levam em considerações os registros cartoriais do imóvel dos fazendeiros e “produção” que se apropriaram dos territórios indígenas. Assim, os juízes federais passam a taxar os indígenas de invasores, temidos, ser inútil e não humano total, no sentido de que os indígenas não são ocupantes originários dos territórios, os indígenas fossem procedentes de outro Mundo ou planeta, ignorando completamente as memórias indígenas e o registro historiográfico de expropriação e expulsão recente dos indígenas dos seus territórios tradicionais. Evidentemente, alguns juízes federais mencionados ignoram e desconsideram o ato de expulsão violentas indígenas efetuadas pelos atuais “proprietários/fazendeiros”, sobretudo estes juízes federais apoiam a violência contra a vida humana, ignorando os direitos indígenas e Humanos.

Por fim, é essencial registrar que as demandas e reivindicações da demarcação e reconhecimento oficial de aproximadamente cinquenta (50) territórios tradicionais pelos indígenas Guarani e Kaiowá começaram intensamente no final da década de 1970 que persiste até hoje. Diante da luta e reivindicação constante de reconhecimento demarcação de territórios Guarani e Kaiowá, no meado de 1980, ainda o Governo Militar ordenou a identificação e regularização de dez (10) terras indígenas Guarani e Kaiowá que as demarcações definitivas foram concluídas e os indígenas reocupam somente em meado da década de 1990, isto é, já após a redemocratização do Brasil, isto é, há uma década após o Brasil se tornar país Democrático da República e já com a sua nova constituição Federal da República estabelecida em 1988. Na sequencia, em meado de 1990, o Governo Federal através da FUNAI mandou identificar e demarcar mais de dez (10) territórios antigos reivindicados, mas de fato, nenhum território foi entregue totalmente aos indígenas Guarani e Kaiowá até hoje. Há mais de uma década já passou, a comunidade indígena reocupa apenas uma pequena parte dos territórios antigos já regularizados e demarcados pelo Governo Federal no final de 1990 e no início de 2000. A partir de 2007, o Governo Federal ordenou a identificação e demarcação de trinta (30) territórios tradicionais antigos reivindicados em 1980, porém até no mês de outubro de 2012, nenhum relatório de identificação foi publicado pelo Governo Federal. Por essa razão, juízes federais estão expedindo a ordem de despejo e expulsão dos indígenas dos seus acampamentos, aumentando violências variadas contra a vida indígenas Guarani e Kaiowá.
 Em suma, somente dez (10) pequenas terras indígenas identificadas e demarcadas em meado de 1980, no período de regime da ditadura militar foram concluídas e entregues definitivamente aos indígenas Guarani e Kaiowá.   
Diante desse quadro histórico mencionado exigimos ao Governo Federal a devolução total dos territórios já demarcados em 2000. Além disso, solicitamos a conclusão e publicação de relatórios de identificação de 30 territórios tradicionais Guarani e Kaiowá.
Aos juízes federais demandamos para levar em considerações a nossa memoria, trajetória e as violências suportadas que nós indígenas Guarani e Kaiowá fomos expulsas de nossos territórios tradicionais pelos fazendeiros ao longo da década de 60 e 70. Por esse motivo, a maioria das comunidades Guarani e Kaiowá, na década de 1980, já estava assentada nos Postos Indígenas em que foi transferida de forma violenta para oito (08) Postos Indígenas criados pelo Serviço de Proteção aos Índios (SPI).
Aguardamos a posição diferente de Governo e Justiça Federal.
Atenciosamente,
Tekoha Guasu Guarani e Kaiowá-MS, 10 de outubro de 2012
Lideranças de Aty Guasu Guarani e Kaiowá-MS