terça-feira, 28 de junho de 2011

MOVIMENTO INDÍGENA NA AMAZÔNIA SE FORTALECE COM O DIÁLOGO DAS SUAS LIDERANÇAS

Encantada por natureza, a cidade indígena de São Gabriel da Cachoeira, com suas serras, vales e corredeiras, foi testemunha de um momento histórico para os povos indígenas da Amazônia brasileira. No momento que tudo parece esfacelado, o movimento reage com toda a sua força, demonstrando que cabe somente a nós, povos indígenas, essa condição de mudar com o respeito e a participação das diferentes gerações que constroem a história de luta e resistência do movimento indígena amazônico, nessa jornada incansável em busca e garantia dos direitos.

Do dia 18 ao dia 21 de junho, lideranças do movimento indígena amazônico puderam avaliar de forma franca e aberta, a trajetória da resistência indígena. Assim foi o Diálogo entre as lideranças indígenas da Amazônia Brasileira, evento realizado pela COIAB, em parceria com a FOIRN – Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro.

O evento contou com a participação de representantes de toda a Amazônia brasileira, com exceção dos estados do Pará e Mato Grosso, que não puderam enviar seus líderes. O evento teve como objetivo resgatar a história de organização do Movimento Indígena na região, fazendo uma avaliação critica das práticas adotadas ao longo dessas décadas de atuação no cenário nacional e internacional.

O coordenador geral da COIAB destacou que esse momento é um marco histórico, pois depois de duas décadas esse movimento faz essa reflexão. “Gostaríamos de agradecer em nome dos vários lideres que já não se encontram aqui. As lideranças que conquistaram esse espaço que precisa ser discutido, nesse momento de diálogo das lideranças. Precisamos valorizar os nossos líderes e incentivar os novos. Sem o protagonismo não teremos políticas de qualidade para os nossos povos. Precisamos fazer nosso alicerce, discutir nossa política, para saber o que queremos”, afirmou Marcos Apurinã.

As lideranças avaliaram que esse encontro é um primeiro momento para se fazer essa avaliação e determinar as diretrizes do movimento amazônico. Como resultado do encontro, ficou deliberado que haverá outros encontros pontuais, para se fazer essa avaliação em outras partes da Amazônia.

Também decidiram criar uma instância política que garanta os direitos dos povos indígenas, o Parlamento Indígena Amazônico. Foi retirada uma equipe que construíra a estrutura preliminar para ser discutida nos estados amazônicos.

Sobre o parlamento, Euclides Macuxi diz: “É coisa diferente. Uma instância de discussão e deliberação dos povos indígenas. Onde cada povo indígena tem o seu assento. Essa instância é própria, com regras próprias, onde os povos indígenas decidem sobre os seus direitos e interesses”.

Antônio Apurinã, afirma que para ter o nome de Parlamento teria que ter a representação de todos os povos. “Mas, secaso a região da Amazônia, quiser discutir isso a nível nacional, terá que discutir e levar. A partir daí você tem uma proposta corajosa e audaciosa. Eu defendo isso, mas com uma visão ampla. É uma coisa nova para todos nós. Precisamos discutir, tem regiões que não têm conhecimento sobre essa questão. Se o movimento indígena quer discutir isso, precisa disseminar essa discussão não só na Amazônia, mas em todos os estados”.

Marcos Apurinã, coordenador da COIAB garante que a organização não deixará isso esfriar. Estamos discutindo um plano de futuro para o nosso movimento”.

De geração em geração, todos parentes - O Diálogo foi o encontro de novas e antigas gerações, a velha guarda do movimento, como foi chamada. Os relatos foram muitos. Emocionantes, emocionados. A história de cada liderança dentro do movimento é muito marcante, lembra Biraci Brasil, do povo Yawanawa, “Presenciei o 1º. Encontro de lideranças indígenas no Acre, no ano de 1982. Participei deste encontro como jovem estudante, de um povo, que procurava se afirmar como um povo e a sua identidade. Eu escolhi a minha escola: o Movimento Indígena”. A liderança afirma que esse é um momento especial. “Nós do movimento indígena precisávamos tomar essa injeção de ânimo para nos encorajar a nos reunir. Vamos voltar para o nosso estado e seremos parceiros fortes do movimento. Estamos fragilizados. Aqui é o primeiro passo importante. Resguardar a Velha Guarda para construir uma política indígena, com a participação de nossas comunidades. Fiz com meus ancestrais um pacto de luta em respeito a eles, com a intenção de dar continuidade em todo o trabalho realizado”, afirmou.

Liderança antiga da FOIRN, Pedro Machado Tukano, afirma que esses encontros são bons, nos fazem lembrar a história, que precisa ser compreendida para se projetar o futuro. “Estávamos começando no movimento. Não tínhamos conhecimento sobre o que era o movimento. Por isso, não podemos pular além do que conseguimos alcançar. Não criamos a FOIRN porque alguém de fora veio dizer. Mas sabíamos que precisamos nos organizar. Não existia neste período nem uma sociabilidade entre os povos indígenas do Rio Negro. Aos poucos formos descobrindo quem nós éramos. Nós avançamos muito, mas precisamos aprender mais a ser mais políticos. Cada um tem uma forma de pensar, mas precisamos saber como unificar essas idéias”, revelou a liderança.

Djacir Macuxi, liderança de Roraima reafirmou que a luta não acabou com a vitória em Raposa Serra do Sol. “A questão dos direitos e da luta pela terra piorou mais. Temos que continuar a trabalhar para a defesa de outros povos. Essa experiência que nós temos é que precisamos compartilhar. Estamos avançando cada vez mais. Iniciamos com um trabalho de terra e precisamos continuar”, afirmou o líder que questionou as 19 condicionantes impostas pelo Supremo Tribunal Federal para a homologação de Terras Indígenas. O jovem Mário Nicácio Wapichana, coordenador do Conselho Indígena de Roraima completa: “Um marco da luta foi a conquista da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. 34 indígenas “tombaram na luta”. Temos um histórico de muita violência na região. As 19 condicionantes ainda representam um desafio para os povos indígenas de Roraima. Precisamos ter estratégias de luta definidas”.

Darci Marubo lembra a sua trajetória no movimento indígena. “A minha experiência de luta no movimento indígena, é que a Igreja influenciou muito. A Igreja dominou muito as áreas que têm ouro. No Vale do Javari, que tinha só Malaria e outras doenças, as únicas pessoas que foram para lá foram os madeireiros e narcotraficantes. A nossa força é a nossa espiritualidade, se vendermos a nossa espiritualidade acabamos com o povo. O Vale o Javari está demarcado e hoje possui 07 organizações indígenas. Há conflitos internos, mas quando brigamos por uma coisa comum, os povos se unem numa luta só. Ultimamente a engrenagem do movimento indígena não tem funcionado muito bem. É importante chamarmos a outras lideranças antigas, para construirmos melhor a luta do movimento indígena”, falou o Marubo.

Clóvis Marubo, liderança do Vale do Javari, destacou a importância do evento. “Esse fortalecimento que vai ser feito, vai fazer a COIAB mais fortalecida em toda região. Voltaremos para discutir na nossa base e contribuir com o movimento. Acredito nessa força, estamos com um olhar para um futuro melhor”, disse.

Para a liderança Josinei Aniká, as idéias são importantes para fortalecer o movimento indígena. “Desentendimentos, discutindo para nos entender, ver o que vamos fazer para melhorar o movimento. Quem sabe das nossas realidades somos nós. Vamos lutar para obter os nossos direitos”, afirmou a liderança Josinei Aniká.

Eva Canoé, liderança de Rondônia, o futuro dos povos indígenas depende de nós, pois somos nós a COIAB, nós somos a Amazônia brasileira. Tudo que passou serviu de lição, tudo que discutimos aqui, planejamos daqui pra frente é de nossa responsabilidade. Que no próximo encontro possamos avaliar o que conquistamos juntos”.

Álvaro Tukano agradece a capacidade de articulação e sensibilidade da COIAB, em organizar esse evento com a participação de todos. Diz que muitos líderes se afastaram do movimento, pois não foram valorizados. Para mim é um sonho realizado, ver crianças e antigas lideranças reunidas em busca de um objetivo comum. Obrigado pelo presente que nos deram”, se emociona a liderança tradicional do Rio Negro.

Segundo Maximiliano Tukano, vice presidente da FOIRN, esse momento marca a história da caminhada do Rio Negro por sediar esse evento que é motivo de orgulho para os povos da região. “Ter participado, trocado experiências é enriquecedor. Aqui pudemos construir uma política de fortalecimento para nós, acreditando que cada um de nós veio aqui para somar e caminharmos juntos. A partir desse momento faremos de tudo para contribuir mais ainda com o movimento”, disse.

Para Sonia Guajajara, vice-coordenadora da COIAB, o movimento indígena amazônico ganha muito com esse Diálogo, pois foi feita historia durante esses dias, “lembramos as conquistas, a luta dos nossos guerreiros. Vamos olhar pra trás com coragem, e dizer num futuro, vamos olhar para as conquistas. Nesse diálogo, protagonistas de hoje e do amanhã, para construir nossa própria historia, Somos nós esse movimento. Como um sopro de vitalidade, vivemos essa interação entre as gerações. Voltaremos para nossas comunidades em diversos cantos da Amazônia, com o compromisso de multiplicar e com a consciência de que temos que fazer a diferença. com a consciência de fazermos a diferença. Vamos espalhar as sementes da luta e fazer brotar as nossas conquistas”, destacou a liderança do Maranhão.

O Diálogo produziu, além da proposta do parlamento indígena, que estará sendo construído com a participação de representantes de todos os povos da Amazônia, também foram divulgados documentos, assinados pelos participantes, denunciando as alterações do Código Florestal e apoiando a decisão da bancada indigenista da CNPI e condenando outras questões como a inoperância da SESAI e a desestruturação oficial da FUNAI, desmantelada pelo decreto de reestruturação 7056 de 28 de dezembro de 2009, assinado pelo presidente Lula.

Uma história de luta e resistência – O movimento indígena amazônico tem uma trajetória de lutas e conquistas. Foi forjado para combater os abusos da ditadura militar, nos anos de chumbo, um dos piores momentos do país, no qual as lideranças políticas eram perseguidas, torturadas e muitas até assassinadas.

De acordo com o professor, Gersem Baniwa, renomada liderança e pensador do movimento indígena amazônico, os desafios do movimento indígena na Amazônia foram vencidos pelas lideranças da época, que souberam conduzir o movimento.

Segundo professor, é necessário contextualizar este atual momento em que vivem os povos indígenas na região, sob três aspectos históricos. “Passamos cinco séculos de repressão violento. O objetivo do estado colonial é de eliminação dos povos indígenas. Não podemos perder este aspecto. Por cinco séculos o estado brasileiro tentou eliminar os povos indígenas. Já na década de 70 há documentos que determinam o fim dos povos indígenas”, garante.

Na década de 70 e 80 vivíamos um último momento do governo militar. De muita repressão aos povos indígenas, inclusive, na região do Alto Negro, explica o professor. “Indígenas foram alvos de violência física e moral. Diante desses séculos de repressão foi que na década de 70 e 80 o movimento indígena começa a reagir. O movimento indígena foi uma reação. O movimento indígena não é para compactuar, dialogar e negociar direitos, mas para reagir”, diz Gersen.

Neste espaço é que se fortalece o movimento indígena na luta pela garantia dos direitos indígenas. Neste contexto é que emerge as organizações (UNIR, UNIND, CAPOIB). Todo esse processo se expande para as regiões.

Para Gersen, é necessário reconhecer o surgimento deste movimento indígena moderno que é considerado como instrumento mais importante para a construção da identidade étnica. “Esse movimento reafirmou a importância da identidade étnica para defender e garantir direitos”. Gersen lembra que o movimento e as lideranças não tinham interesses econômicos e políticos. Não eram filiados aos partidos políticos. “Pouca institucionalidade das organizações indígenas. Eram mobilizações informais o que interessava eram as pessoas, as lideranças, as comunidades e os povos indígenas. Tinham muita clareza que o consenso era a luta pela terra”, diz.

Como resultado dessa trajetória de lutas, estamos conseguindo manter as comunidades e os povos mobilizados para a luta dos direitos, a ampliação do número de organizações indígenas, a conquista dos territórios (homologação e demarcação), além de conquista de políticas públicas (educação, saúde). “Isso não foi dádiva do Governo, mas conquista dos povos indígenas”, afirmou.

Gersen garante que é preciso descentralizar as decisões burocratizadas nas organizações, e que a sustentabilidade política, através das formações de lideranças, é tão necessária quanto a sustentabilidade financeira. “As decisões foram sendo burocratizadas. As decisões passaram a ser tomadas nos escritórios das organizações. Um “Governo Branco”. Baseado na representação política como fazem os brancos. Elegemos e eles passam a tomar decisões em Brasília. Houve um forte distanciamento das bases e, como conseqüência, uma falta de compromisso com a luta. A sustentabilidade política leva a sustentabilidade financeira, vinda tanto das comunidades como dos potenciais parceiros. Tem que avançar na sustentabilidade política para alcançar a sustentabilidade financeira”, avaliou.
 
Fonte: Ascom COIAB

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