sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Organizações Indígenas querem reformulação do Decreto de Reestruturação da Funai

Entidades que integram a Apib exigem maior participação nas decisões do órgão indigenista

Nesta quinta-feira, dia 11, a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), a Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste (Arpinsudeste), a Articulação dos Povos Indígenas do Pantanal e Região (Arpipan) e a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), organizações que integram a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), encaminharam carta ao Presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Márcio Meira, onde se manifestam sobre o Decreto Nº 7.056 de 28 de dezembro de 2009, que normatiza a reestruturação da Funai.

No documento, as organizações reconhecem “que o movimento indígena sempre defendeu a necessidade e importância da reestruturação do órgão indigenista, visando à readequação de sua estrutura institucional e quadro funcional às demandas dos povos indígenas, especialmente no tocante à demarcação das terras indígenas, competência principal da instituição”. Rechaçam a forma como a proposta da reestruturação foi trabalhada, sem o preenchimento de outros requisitos formais de proteção aos direitos indígenas assegurados na Constituição Federal, na Convenção 169 da OIT, na Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, bem como na legislação especial (Lei 6001/73) e outras legislações chamadas de infraconstitucionais. Para as lideranças indígenas o Decreto violou esses instrumentos de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário.

Ressaltam, ainda, “que o Brasil é um dos países que mais lutou pela aprovação e é signatário da Declaração das Nações Unidas Sobre os Direitos dos Povos Indígenas, por entender que ocorrem graves violações dos direitos dos povos indígenas em todo o mundo, incluindo no Brasil.” Mesmo assim, o governo brasileiro, em diversos casos, tem ignorado tais instrumentos.

Os coordenadores das organizações indígenas destacam em sua carta que as mudanças propostas pelo Decreto de reestruturação da Funai não foram apenas superficiais “mudanças de nomes”. Os indígenas lembram que as mudanças contidas no Decreto afetam diretamente todas as comunidades indígenas do Brasil, pois todas as Administrações Executivas Regionais deixaram de existir, dando lugar a outros tipos de gestão, chamadas no decreto de Diretoria Colegiada, Coordenações Regionais, Comitês Regionais dentre outros nomes dados na estrutura interna. Algumas cidades, capitais e regiões com forte presença indígena vão ficar sem uma representatividade da Funai, como, por exemplo, as cidades de Curitiba e Recife. “Essas medidas consignadas no decreto afetam diretamente interesses e direitos de muitos povos indígenas em diversas regiões do Brasil”.

Sendo assim, afirmam que “face a este contexto é compreensível a reação de lideranças e comunidades indígenas contra a publicação do Decreto, fazendo-se necessária, por parte do Governo, uma postura de acolhida às críticas, ajustando o Decreto, nos casos onde houve falhas na percepção das realidades peculiares de cada povo ou região étnica, sem necessariamente mexer com o propósito fundamental da reestruturação: a adequação da Funai para o cumprimento de seu papel institucional na perspectiva de uma nova política indigenista, longe do indigenismo tutelar, autoritário, assistencialista e paternalista. Os povos indígenas do Brasil têm maturidade suficiente para discutir, avaliar e decidir juntamente com os entes da Federação questões que lhes digam respeito, pois já não vigora mais no Brasil o regime tutelar orfanológico sobre os índios e suas coletividades.”

Reivindicações

Para corrigir tais falhas, as organizações indígenas da Apib apresentam algumas reivindicações e propostas em relação ao Decreto da Funai. “Reivindicamos participação plena em todo o processo que hoje inauguramos, de diálogo e negociação, a respeito dos ajustes que deverão ser feitos ao Decreto, da discussão do Regimento, da implementação da estruturação, incluindo a indicação de coordenadores e a composição de estruturas colegiadas administrativas ou de controle social.”

Sugerem à Funai a definição de um período e de um cronograma de reuniões nas distintas regiões indígenas de todos o país, para poder esclarecer o conteúdo do Decreto e também recolher as demandas específicas das comunidades para aprimorar o processo de reestruturação.

A carta também aponta a necessidade de maior participação indígena nos diversos instrumentos de gestão da Funai. “O Decreto em questão embora pareça trazer em sua substância forte conotação coletiva, quando transforma o órgão de presidencialista a um colegiado em sua diretoria, e ao criar comitês regionais deixando a prever a participação indígena, o faz de forma muito tímida. Poderia ter sua composição desde o inicio de forma paritária ao contemplar a participação indígena na gestão. A nossa expectativa é que o novo Regimento possa ir muito além, nas esferas da coletividade e de participação indígena na gestão, desde a instancia máxima às unidades regionais e locais".

Para reforçar uma maior participação no quadro de funcionários da Funai, os indígenas sugerem a possibilidade de reserva de vagas no concurso público para o órgão. “É tempo ainda de se editar um edital complementar ao concurso a contemplar a participação indígena. A Funai estará dando um passo além, quando o próprio Poder Legislativo em ambas as casas estão discutindo e pronto a aprovar mediante lei a reserva de vagas em todos os concursos públicos para integrantes dos povos indígenas.”

Para finalizar suas demandas, as organizações pedem a gestão compartilhada entre indígenas e governo dos bens em terras indígenas. “Se a intenção do governante brasileiro não for para “inglês ver”, deverá tanto na adequação do Decreto quanto na elaboração do Regimento Interno da Funai detalhar e contemplar a participação indígena na gestão compartilhada dos bens e outras titularidades do território indígena. Deve ir além, dizer quais bens e interesses são assuntos internos e locais para os quais os índios devem exercer a autodeterminação, a autonomia e o autogoverno na forma da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas".

Reunião com o Presidente da Funai

Após encaminharem carta à presidência da Funai, os coordenadores das organizações indígenas reuniram-se no início da tarde com o presidente da Funai. Márcio Meira reconheceu que o órgão errou ao não realizar uma consulta prévia, ampla e informada, envolvendo as organizações sobre a reestruturação do órgão e se mostrou favorável aos ajustes propostos para adequar o decreto às reais necessidades do Povos Indígenas, levando em conta as realidades específicas de cada região. Ele se comprometeu a atender as demandas das organizações, com exceção das questões envolvendo a admissão via concurso público e a gestão do patrimônio indígena que, segundo explicou, precisam de mudanças nas leis federais que regem a Funai e os concursos públicos.

2 comentários:

  1. Não nos enganemos, a reestruturação da FUNAI vem para melhorar a vida do índio. A reestruturação significa desburocratização: em vez de 500 funcionários trabalhando em Brasília e nas demmais capitais brasileiras, teremos apenas 100 em Brasília e o restante trabalhará nas aldeias. Seria ético reservar 50% das vagas deste concurso da FUNAI, para indígenas. 80%, talvez. Mas não podemos deixar de reconhecer que essa reestruturação da FUNAI é boa para nós, índios.

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