quarta-feira, 4 de novembro de 2009

PROJETO BELO MONTE - MORTE PROJETADA

Carta Aberta ao Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva

À sua Excelência,
O Presidente da República Federativa do Brasil,
Senhor Luiz Inácio Lula da Silva
Praça dos Três Poderes,
Palácio do Planalto
70100-000 BRASÍLIA DF

Altamira, outubro de 2009


Excelentíssimo Senhor Presidente da República,
Luiz Inácio Lula da Silva,

Senhor Presidente

Mais uma vez quero agradecer a Vossa Excelência o privilégio que me concedeu de receber-me em audiência no dia 19 de março e, em 22 de julho de 2009, junto com representantes dos movimentos sociais de Altamira, procuradores da República e o senhor Dr. Célio Bermann, professor do curso de pós-graduação em Energia do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP.

Nessa audiência, Vossa Excelência insistiu na continuação do diálogo sobre a projetada Usina Hidrelétrica de Belo Monte e argumentou que nunca irá “empurrar este projeto goela abaixo de quem quer que seja”. Falou também da grande dívida do Brasil em relação aos atingidos por barragens, até hoje não saldada. Comentou ainda que não pretende repetir o desastre da Usina Hidrelétrica de Balbina, localizada no Rio Uatumã, no Estado do Amazonas, que deve ser classificada de “monumento da insanidade”.

Tive outra oportunidade de conversar com representantes do setor energético do Governo e tomei mais uma vez a iniciativa de convidar representantes dos movimentos sociais de Altamira. Infelizmente não logramos grandes resultados, pois ouvimos basicamente os mesmos argumentos em defesa do projeto que já conhecíamos desde a audiência em Brasília. O que, realmente, nos causa arrepios é a questão da viabilidade social e ambiental do projeto e o extraordinariamente elevado custo financeiro, necessário para levar a cabo essa gigantesca obra. Sentimo-nos frustrados por terem-nos negado respostas convincentes. E assim os técnicos e representantes do Governo consolidaram e corroboraram nossa posição de rejeitar o projeto.

De 10 a 15 de setembro p.p. foram realizadas quatro audiências públicas para a discussão da Hidrelétrica Belo Monte, que pensávamos, fossem "as primeiras", seguidas de outras, inclusive em aldeias indígenas e com os ribeirinhos, mormente os da Volta Grande do Xingu.

Lamentavelmente mais uma vez os direitos da população foram cerceados de forma autoritária, antidemocrática, em estilo ditatorial. Temos a impressão de que as audiências não passaram de mera formalidade. O Projeto parece já estar decidido. Somente para não implicar com a legislação prevista para empreendimentos deste tipo, se procede a tais rituais obrigatórios. Mesmo assim, as normas legais não foram respeitadas. A presença do Ministério Público na mesa diretora, prevista em lei, não foi solicitada tanto em Brasil Novo, como em Vitória do Xingu e Altamira, razão pela qual se pediu até a anulação das audiências. O forte aparato policial, armado como se tratasse de uma guerra, intimidou grande parte da população. Em Belém, os Procuradores da República se retiraram em protesto, pois não se acharam em condições de concordar com a exclusão arbitrária de significativo número de pessoas que queriam participar da audiência.

Senhor presidente,

mais uma vez venho solicitar a Vossa Excelência que se disponha a ouvir cientistas e pesquisadores de renome nacional e internacional que discordam do projeto, baseando-se em dados insofismáveis. Diante de um projeto gigantesco como a planejada Usina Hidrelétrica de Belo Monte, é necessário ouvir, de modo imparcial, outras posições. O setor energético do Governo, da altura de sua competência meramente técnica, só apregoa vantagens e lucros e promete solução para todos os problemas que porventura possam advir da construção. No entanto, quando as perguntas entram em detalhes, indagando que tipo de solução será tomado, os representantes do Governo desconversam ou simplesmente se calam ou, então, prometem estudar o caso.

Senhor presidente,

apresento assim mais uma vez os principais pontos que nos fazem rejeitar o projeto, submetendo-os à consideração e análise de Vossa Excelência.

1- A usina vai funcionar com a potência de 11 mil megawatts apenas três ou quatro meses no ano. Quando o rio Xingu fica com menos volume d’água, a potência baixa consideravelmente, chegando a não ultrapassar 1.100 megawatts.

2- Se apenas for construída a usina Belo Monte, não deixa de ser um despropósito técnico assegurar a potência prevista no projeto. O projeto só terá condições de alcançar a potência almejada pelos técnicos da Eletrobras, se forem construídas outras (três) usinas rio acima (Usinas de Altamira, Pombal e São Félix). Neste caso, os grandes reservatórios atingirão outros territórios indígenas demarcados e homologados e áreas de conservação ambiental. No Xingu existem várias etnias indígenas. Todos nós queremos evitar que o Governo Lula entre na História como um governo de determinou a extinção dos povos indígenas do Xingu.

3- Até hoje não se sabe quantas famílias serão compulsoriamente retiradas de suas moradias. Não existem cálculos exatos, fidedignos. Nem sequer são relacionadas todas as ruas a serem alagadas. Afirma-se apenas que em tal bairro seis ou sete ruas ficarão debaixo d’água. Fala-se de “ruas“ e não das ”moradias” ao longo dessas ruas. Pior ainda, determinados bairros têm exatamente o número de ruas elencadas para sofrerem essa inundação. Não é covardia, falar apenas em ruas e esconder o fato de que bairros inteiros serão tomados pelas águas do reservatório? Além disso, a população atingida está sendo tremendamente subestimada e isso vai comprometer o próprio leilão, pois as empresas (e o BNDES) não saberão quanto terão de gastar com os custos sociais. E todos nós sabemos que vão fazer tais cálculos na ponta do lápis, gastando apenas o estritamente necessário. Quem já viu uma empresa dessas deixar-se guiar por um espírito altruísta ou filantrópico, comovendo-se e solidarizando-se com os pobres e, em seguida, esmerando-se na promoção de obras de caridade para mitigar a miséria das famílias atingidas?

4- A região da Volta Grande do Xingu ficará praticamente seca com a construção da usina. A exemplo do que aconteceu com a cachoeira de Sete Quedas na construção da usina de Itaipu, também Belo Monte destruirá ou modificará cem quilômetros de uma sucessão de cachoeiras, corredeiras, canais naturais, e, além do enorme, trágico, irresponsável e irreversível desastre ambiental, a população que ficará na região não terá água suficiente para suas necessidades.

5- Haverá uma forte pressão populacional na região do Xingu, mormente em Altamira, Vitória do Xingu, Brasil Novo, Anapu e Senador José Porfírio, em relação à população atraída pela obra. As cidades não dispõem da infra-estrutura necessária, não tem escolas e hospitais suficientes para garantir vida digna para toda essa gente. O projeto só está pensando na infra-estrutura e na saúde de quem for trabalhar nas obras de construção da usina. A população restante, cinco vezes maior, ficará na miséria, exposta à criminalidade e agredida pelos antros do narcotráfico e da prostituição. Será o caos!

6- Por que para os municípios Senador José Porfírio e Porto de Moz não foi programada nenhuma audiência pública. Esses municípios ficam à jusante e sofrerão enorme impacto se o projeto Belo Monte for executado. Os afluentes do Xingu localizados naqueles municípios fatalmente secarão e o povo que vive da pesca e da agricultura familiar perderá a base de sua subsistência. Que estudos foram feitos a esse respeito? Mais uma vez o povo do interior é ignorado!

7- O que será de Vitória do Xingu? É uma cidade portuária e mesmo que leve o nome "do Xingu", ela se situa à margem do Rio Tucuruí, afluente do Xingu. Já agora, navios, balsas e barcos que levam passageiros e mercadorias ao porto de Vitória encalham muitas vezes durante o verão tropical. Esse porto abastece também Altamira (a 45 km de distância) e vários municípios ao longo da Rodovia Transamazônica (BR 230). Se Belo Monte realmente for construído, esse porto, sem dúvida, será desativado, pois também o Tucuruí baixará consideravelmente o seu nível a ponto de impossibilitar a navegação. E a atual Vitória do Xingu, sem o porto, tornar-se-á uma cidade fantasma. Onde ficam os estudos sobre as perspectivas para a cidade portuária Vitória do Xingu?

8- Nem se sabe ainda o quanto vai custar a usina. O próprio presidente da Eletrobras fala em custos que variam de um mil a três mil dólares o quilowatt instalado, o que significa que o custo total pode chegar a 33 bilhões de dólares, ou 60 bilhões de reais para uma usina que estará parada várias meses durante o ano. Será que gastos que chegam a parâmetros tão exorbitantes podem ser justificados perante a nação?

9- E, em decorrência disso, a tarifa de energia elétrica será extremamente alta. Neste contexto, a solução mais macabra é obrigar o Tesouro Nacional a cobrir com subsídios o preço da energia gerada. Neste caso, quem realmente será penalizado com o pagamento do alto custo desta energia, vai ser mais uma vez a cidadã e o cidadão brasileiro.

10- Na dimensão social e ambiental os estudos são insuficientes, para não dizer imperdoavelmente omissos, pois aí o assunto não gira em torno de energia e megawatts, de máquinas e diques, de paredões de cimento e canais de derivação, mas de pessoas humanas de carne e osso, de mulheres e homens, crianças, adultos e idosos que sofrerão os impactos. Não queria que o Governo de Vossa Excelência entrasse na história como um governo depredador do meio-ambiente que, de uns tempos para cá, já começou a sucumbir às inescrupulosas investidas de destruição e aniquilamento, tornando-se inabitável e deserto como já pode ser verificado em algumas regiões do Xingu.

Senhor presidente,

escrevo esta carta a Vossa Excelência no intuito de evitar o pior e de salvaguardar um último pedaço de paraíso que Deus criou, no Xingu. Belo Monte terá consequências nefastas e irreversíveis. Em vez de progresso trará a morte.

Cordialmente.
Dom Erwin Kraütler
Bispo da Prelazia do Xingu (Pará) e presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi)

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